Comunista de carteirinha, Nelson Xavier se rendeu aos ensinamentos kardecistas do médium Chico Xavier
Conhecido como “socialista histórico” nos meios artísticos, com trabalho marcante nos primeiros anos do Cinema Novo, o paulistano Nelson Xavier, de 68 anos, não vê conflito em interpretar um líder religioso nas telas. A convite do diretor Daniel Filho, o ator divide com Ângelo Antônio e Matheus Costa a responsabilidade de protagonizar "Chico Xavier - O filme" na pele do líder espírita mais famoso do Brasil. O longa-metragem vai estrear em 2 de abril, em plena sexta-feira santa – data do centenário de nascimento do médium.
“Nunca fui religioso, sempre fui um socialista que acreditava na revolução”, afirma o fã assumido do regime comunista. “Mas em casa, desde cedo, minha mãe me introduziu no mundo espírita.” Se aprendeu a lição kardecista com a mãe – por questões pessoais, ela acabaria abandonando a Doutrina –, Nelson se reaproximou do Espiritismo graças ao filme. A ele coube a missão de interpretar o médium mineiro já maduro. Ângelo Antônio e Matheus Costa, respectivamente, fizeram o papel de Chico jovem e criança.
“Sempre achei que fenômenos espirituais existiam, só que nunca os havia respeitado. A partir do Chico Xavier, passei a respeitá-los. Estou até orando todos os dias”, confessa Nelson. A fala baixa e pausada é a senha para entender o processo de transformação vivido pelo ator. “Era indiferente, agora sou praticamente um devoto”, assume.
O trailler do longa-metragem pode ser conferido na Internet (www.chicoxavierofilme.com.br) e nos cinemas. Chama a atenção a semelhança entre o ator e o médium. O personagem chegou a Nelson por meio do jornalista Marcel Souto Maior, autor da biografia "As vidas de Chico Xavier". O livro inspirou o filme de Daniel Filho, com roteiro assinado por Marcos Bernstein. “Quando ele foi lançado, o Marcel, que não me conhecia, mandou-me um exemplar com um bilhete, dizendo que gostaria que eu o fizesse no cinema. Aquilo me surpreendeu. Pela primeira vez, fui comparado ao Chico”, confessa Nelson. Tocado pela indicação, ele leu a biografia e ficou impressionado, a ponto de desejar interpretar o médium.
“Antes disso, alguém sempre dizia que eu deveria fazer o Chico. Na hora do convite do Daniel Filho, fiquei emocionado até as lágrimas”, relembra Nelson. Além de frequentar um centro espírita carioca, o artista visitou cidades marcantes na vida do médium: Uberaba, no Triângulo Mineiro, que o acolheu, e Pedro Leopoldo, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, onde o líder espírita nasceu. “Nas duas, a emoção se manteve forte em mim. Cada vez que comentava o assunto com as pessoas, sentia-me tocado por um verdadeiro turbilhão de emoções. Isso acabou me conduzindo em direção ao personagem. Chico foi realmente um santo”, diz o emocionado Nelson.
Marcas — Óculos escuros, boné e peruca são acessórios tão incorporados ao cotidiano de Chico Xavier que praticamente se tornaram marcas dele. Nelson, naturalmente, levou os três para o longa. “O uso da peruca se deu a partir do momento em que Chico começou a ficar careca”, informa o ator, cuja identidade com o personagem ultrapassa a questão física. O início da vida do médium chamou a atenção de Nelson. “Ele teve uma infância terrível”, observa, citando a presença da madrasta na vida do menino de Pedro Leopoldo, que penou antes de chegar à escola. Graças a uma professora, o garoto pôde compreender e desenvolver sua espiritualidade.
“Chico desconhecia a origem do que ocorria com ele. Isso é muito triste, imagine uma pessoa se sentir louca por não entender o que se passa com ela. É muito doloroso.” Para se aprofundar na vida do personagem, Nelson passou a colecionar e a ler obras psicografadas pelo médium. “Deixei-me envolver pela emoção, fui tomado por ela. Também vi muitos vídeos com programas e filmes dele”, acrescenta.
“Interiormente, a emoção que ele me dava ajudou a vivê-lo. Sentia como se estivesse ali comigo”, explica o ator. Influenciado pela força do personagem, Nelson Xavier raspou os cabelos ainda no set, no fim das filmagens. Por que, não sabe explicar. Diz apenas ter sentido a necessidade de fazê-lo. “A emoção me tomava de maneira muito forte, arrebatadoramente. Sentia a presença dele, não pude negar isso”, resume.
A experiência foi transformadora para o artista. “De pessoa indiferente, passei a ser alguém que, hoje, acha que precisamos ficar atentos à espiritualidade. Com o filme, aprendi a respeitar essa questão. Não sou militante, não me converti. Simplesmente passei a respeitar e a acreditar. Todos os dias, faço um momento de concentração e peço a essas forças que continuem a me apoiar, pois me sinto premiado com algo que poderia chamar de sorte. Fui aprovado por essas forças para interpretar o papel. Digamos que passei a conviver diariamente com elas”, afirma Nelson Xavier.
Anteriormente, o ator apenas experimentara algo semelhante ao interpretar Virgulino Lampião em "Lampião e Maria Bonita" (Rede Globo), em 1982 – minissérie protagonizada por ele e por Tânia Alves. “O fato de ser personagem real me fazia respeitar muito o Lampião. Quis ser fiel àquela pessoa que existiu. Depois de ler e pesquisar, apaixonei-me pela figura dele, que não admitia mais ser explorado. Com o Chico, essa responsabilidade voltou mais forte ainda, pois ele não é uma pessoa entregue à violência como paradigma. Ao contrário, Chico Xavier assumiu o amor como forma de viver e enfrentar a vida”, acrescenta o ator.
"Chico usou de humildade e tolerância para enfrentar o preconceito do qual foi vítima", lembra o ator. Muito antes de interpretar o médium mineiro, Nelson considerava Jesus Cristo um ser extraordinário. “Ainda que sem atribuir santidade a ele, achava que Cristo havia sido o maior revolucionário ao dizer, há 2 mil anos, que devíamos amar uns aos outros. Essa frase é uma coisa absolutamente extraordinária e única”, conclui.
A escolha — Diretor de "Chico Xavier - O filme", Daniel Filho conta como definiu o elenco principal do longa-metragem: “Nelson me pediu para fazer o papel. Eu o conheço há mais de 40 anos e ele nunca havia me pedido nada. Quando leu que eu produziria o filme, me ligou. Disse que queria fazer o Chico Xavier. Depois que o filme foi correndo, eu não sabia exatamente em que tempo a história seria narrada. Então, logo pensei no Ângelo Antônio, pois seria mais fácil caracterizá-lo, se necessário. Quando o roteiro começou a ficar pronto, vi que precisaria de três Chicos. Pensei nos dois, Ângelo e Nelson, quase que de forma intuitiva, estava muito fechado neles. Além de se parecerem fisicamente, ambos têm texturas semelhantes na emissão vocal, na forma de representar e na maneira de construir o personagem. Quando marquei a primeira reunião, vi que tinham a mesma altura. Paralelamente, fiz testes para ver quem seria o Chico garoto. Fizemos cerca de 400, no Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte, Uberaba, São Leopoldo, Curitiba... O Matheus se saiu melhor. Curiosamente, ele é carioca”.