Editado pela Ésquilo, "Os pecados da Rainha Santa Isabel" parte da temática da santidade para refletir sobre a complexa relação entre Isabel de Aragão e a igreja católica da época
Licenciado em Filologia Românica pela Faculdade de Letras da
Universidade de Lisboa e doutorado em Literatura Portuguesa pela
Universidade de Évora, onde atualmente leciona, António Cândido Franco é
autor de uma vasta obra, da poesia ao romance histórico.
JL: Como surgiu o interesse pela Rainha Santa Isabel?
Depois de ter escrito, em 2003, sobre Inês de Castro e, no ano
passado, sobre Leonor Teles, apercebi-me de que tinha criado um díptico
formado por duas figuras femininas marcantes da Idade Média portuguesa, e
muito próximas cronologicamente. Mas faltava uma terceira, tão ou mais
importante do que aquelas: Isabel de Aragão, mulher de D. Dinis, que
era, por sua vez, avô de D. Pedro e bisavô de D. Fernando. Comecei,
então, a pesquisar, e foi de tal forma absorvente que, em 2009,
publiquei Vida Ignorada de Leonor Teles e, logo este ano, Os Pecados da Rainha Santa Isabel.
O que têm em comum essas três mulheres?
Em Inês de Castro e Leonor Teles abordei, sobretudo, o tema do amor e
da paixão, que em Isabel de Aragão não tem tanta importância, apesar da
relação com D. Dinis não ser tão fria como se pensa. Não obstante, as
três estão ligadas por uma cultura que não é masculina, que não tem a
ver com afirmação, domínio, imposição. É uma cultura do silêncio, quase
sagrada. Além disso, são, curiosamente, identificadas pelo mesmo espaço:
Coimbra. Isabel de Aragão funda aí a casa de Santa Clara, onde Inês
morre, e Leonor e Fernando vivem grande parte da sua história de amor
naquela cidade.
Em relação a Isabel de Aragão, o que pretendeu explorar?
Parti da temática da santidade, incontornável nessa figura. Com a
investigação histórica, apercebi-me, surpreendentemente, de que a Rainha
Santa Isabel era marcada por uma heterodoxia face à igreja
institucional da época, que já vinha dos seus antecedentes. O pai, D.
Pedro III de Aragão, foi excomungado pelo papa Martinho IV, o avô,
Manfredo, morreu numa batalha campal contra a hoste do papa da época, e o
bisavô, Frederico II, foi considerado uma espécie de besta do Apocalipse pela igreja de Roma. Tudo isso concede a Isabel de Aragão
uma tonalidade totalmente inesperada, porque pouco conhecida, e que é um
dos seus ingredientes mais atrativos.
Nesse romance, o pecado é a heresia...
Sim. Mais concretamente, os aspectos heréticos da espiritualidade de
Isabel. O historiador Jaime Cortesão deu um contributo importante para
essa questão, nomeadamente com Os Descobrimentos Portugueses
(1960), onde afirma que Isabel de Aragão era uma figura mais complexa do
que, até então, se pensava, e que a sua riqueza passa por essa
heresia espiritual. Afinal, a Rainha Santa não só esteve envolvida em
lutas acesas com o clero rico e instalado, como também fundou em
Alenquer as festas do Espírito Santo, em que o povo, a nobreza e a corte
se sentavam à mesma mesa, e os presos eram libertados.
Defende uma perspetiva da história próxima da lenda. Por quê?
Não é possível fazer história como uma ciência, na medida em que a
reconstituição dos acontecimentos é sempre um entendimento posterior
relativo, conforme o ponto de vista daquele que observa ou estuda. Nesse
sentido, a imaginação, a parábola, a alegoria, a poesia e o romance
histórico têm um papel muito importante na reconstituição possível da história, nomeadamente de aspectos que os documentos ou a re-elaboração
histórica deixaram esquecidos.
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Fonte: Jornal de Letras, Artes e Ideias