Um milionário do Estado de São Paulo
montou recentemente um cenário curioso e instigante.1 Ele anunciou
nas redes sociais que enterraria seu carro Bentley (de quase 1 milhão de
reais) , no quintal da sua mansão. Para isso, convidou a imprensa e
cavou a cova com uma escavadeira, deixando um espaço reservado para o
“velório”. Todavia, durante a celebração revelou para os presentes o
real propósito do “enterro” do carrão. Disse que as pessoas estão
sepultando algo bem mais valioso que seu Bentley. Assinalou que enterrar
um coração, um rim, um fígado e outros órgãos, isso sim é loucura.
Órgãos humanos podem salvar a vida de várias pessoas. Proferiu que seu
Bentley não é mais valioso que órgãos humanos. Portanto, não era louco
para enterrar o carro, apenas promoveu o “funeral” a fim de chamar
atenção para a causa “doação de órgãos”, afirmando-se doador.
Sobre o assunto doação de órgãos para transplante, há poucas informações
concernentes sobrevindas dos espíritos, até porque é uma prática muito
recente da ciência médica. Nos exercícios médicos de todas as
especialidades, o transplante de órgãos é a que demonstra, com maior
clareza, a estreita relação entre a morte e a nova vida. Sabemos haver
espíritas que são avessos à doação de seus próprios órgãos após a
desencarnação. Entretanto, a doação de órgãos para transplantes é
doutrinariamente correta. “Se a Misericórdia Divina nos confere uma
organização física sadia, é justo e válido, depois de nos havermos
utilizado desse patrimônio, oferecê-lo, graças às conquistas valiosas da
ciência e da tecnologia, aos que vieram em carência a fim de
continuarem a jornada”.2
É importante fazermos a seguinte reflexão: se hoje somos doadores,
amanhã poderemos ser (ou nossos familiares e amigos) receptores de
órgãos. “Para a maioria das pessoas, a questão da doação é tão remota e
distante quanto a morte. Mas para quem está na “fila” esperando um órgão
para transplante ele significa a única possibilidade de vida.
“Verdadeira bênção, o transplante de órgãos concede oportunidade de
prosseguimento da existência física, na condição de moratória, através
da qual o espírito continua o périplo orgânico. Afinal, a vida no corpo é
meio para a plenitude – que é a vida em si mesma, estuante e real”.3
Em entrevista à TV Tupi, em agosto de 1964, publicada na Revista
Espírita Allan Kardec, ano X, n° 38, Francisco Cândido Xavier comenta o
seguinte: “Transplante de órgãos, na opinião dos espíritos sábios, é um
problema da ciência muito legítimo, muito natural e deve ser levado
adiante”. Os espíritos, segundo Chico Xavier, “não acreditam que o
transplante de órgãos seja contrário às leis naturais. Pois é muito
natural que, ao nos desvencilharmos do corpo físico, venhamos a doar os
órgãos prestantes a companheiros necessitados deles, que possam
utilizá-los com proveito”.4
Questão que também invariavelmente é levantada é a rejeição do organismo
após a cirurgia. O espírito André Luiz considera “a rejeição como um
problema claramente compreensível, pois o órgão do corpo espiritual está
presente no receptor. O órgão perispiritual provoca os elementos da
defensiva do corpo, que os recursos imunológicos em futuro próximo,
naturalmente, vão suster ou coibir”.5 A partir de 1967,
especialistas “desenvolveram várias drogas imunossupressoras
(ciclosporina, azatiaprina e corticoides), para reduzir a possibilidade
de rejeição, passando então os receptores de órgãos a ter uma maior
sobrevida”.6 Estatisticamente, o que há é que “a taxa de
prolongamento de vida dos transplantes é extremamente elevada. Isso
graças não só às técnicas médicas, sempre se aperfeiçoando, mas também
pelos esquemas imunossupressores que se desenvolveram e se ampliaram
consideravelmente, existindo atualmente esquemas que levam a zero por
cento (0%) a rejeição celular aguda na fase inicial do transplante, que é
quando ocorrem”.7
André Luiz explica que “quando a célula é retirada da sua estrutura
formadora, no corpo humano, indo laboratorialmente para outro ambiente
energético, ela perde o comando mental que a orientava e passa, dessa
forma, a individualizar-se. Ao ser implantada em outro organismo [por
transplante, por exemplo], tenderá a adaptar-se ao novo comando
[espiritual] que a revitalizará e a seguir coordenará sua trajetória”.8
Outra coisa importante é que não há reflexos traumatizantes ou
cerceadores no perispírito, em correspondência à mutilação do corpo
carnal, ou seja, o doador de córneas, por exemplo, não regressará “cego”
ao Mundo Espiritual. Se fosse regra geral haver impacto do corpo físico
doador no corpo espiritual, o que seria daqueles que têm o corpo
carbonizado pelo fogo ou pulverizado numa explosão? O que dizer da
cremação, que reduz o cadáver a cinzas? A doação de órgãos para
transplantes não afetará o corpo espiritual do doador, a menos que
acreditemos ser injusta a Lei de Deus e estejamos no Planeta à deriva da
Sua Suprema Vontade. Lembremos que nos Estatutos do Criador não há
espaço para a injustiça e o transplante de órgãos (conquista da ciência)
é valiosa oportunidade, dentre tantas outras, colocada à disposição do
homem para o exercício do amor.
Jorge Hessen
Referências bibliográficas:
1 Disponível em:
http://ego.globo.com/famosos/noticia/2013/09/enterro-do-carro-de-chiquinho-scarpa-e-acao-favor-de-campanha.html. Acesso em: 30/10/2013.
2 FRANCO, Divaldo Pereira. Seara de luz. Salvador: LEAL. (s.d.t.). [O
livro apresenta uma série de entrevistas ocorridas com Divaldo entre
1971 e 1990.]
3 FRANCO, Divaldo Pereira. Dias gloriosos. Ditado pelo espírito Joanna
de Angelis. Salvador: LEAL, 1999. [Cf. Cap. Transplantes de órgãos].
4 Entrevista de Francisco Cândido Xavier à TV Tupi, em agosto de
1964, publicada na Revista Espírita Allan Kardec, ano X, n° 38.
5 Cf. Revista Espírita Allan Kardec, ano X, n° 38.
6 Folha de S.Paulo, A3, “Opinião”, 15 Maio 2001.
7 Entrevista com o Prof. Dr. Flávio Jota de Paula, médico da Unidade de
Transplante Renal do HC/FMUSP, 1º secretário da Associação Brasileira
de Transplante de Órgãos (ABTO). Diretor da I Mini-Maratona de
Transplantados de Órgãos do Brasil. Publicado em Prática Hospitalar, ano
IV, n º 24, nov-dez/2002.
8 XAVIER, Francisco Cândido. Evolução em dois mundos. Ditado pelo espírito André Luiz. 5. ed. Rio de Janeiro: FEB, 1972. [Cap. Células e corpo espiritual].