Jhon Harley Madureira Marques
O psicólogo de 52 anos, Jhon Harley Madureira Marques, acaba de
lançar em Catanduva, na Editora Espírita Candeia, o livro “O voo da
garça”, que conta a história do médium mais famoso do Brasil: Chico
Xavier. Assinado por um autor que é também ativo no Grupo Espírita
Scheilla há 34 anos, a obra tem algo de singular se comparada a muitas
biografias. Não se pautou apenas por pesquisas aprofundadas, naturais no
processo de elaboração de um livro biográfico, nem somente pela
admiração entre autor e objeto de investigação. Jhon e Chico foram
também amigos e juntos dividiram diversas experiências também narradas.
A amizade de 21 anos transforma a literatura em algo não meramente
informativo, mas também cheio de sentimento e detalhes quase poéticos.
No livro, Harley, que também participa das atividades na Casa de Chico
Xavier e da Fundação Cultural Chico Xavier, ambas em Pedro Leopoldo,
cidade natal do médium, pode-se entender a razão do título. O dia de
nascimento de Chico coincidiu com uma revoada de garças. A ave, de
aspecto humilde e puro, seria uma espécie de metáfora do líder
religioso, o único do “grupo de pássaros” que teria ficado para realizar
boas obras.
Jhon define a emoção que sentiu quando viu Chico pela primeira vez
como um estado de hipnose. “Fiquei olhando fixamente para o tão falado
Chico Xavier. Nosso relacionamento de respeito e amizade só foi
interrompido quando ele desencarnou, no dia 30 de junho de 2002. Em
todos esses anos de convivência, pude confirmar o que muitas pessoas já
diziam, que ele era um ser humano profundamente generoso, de hábitos
simples, vivendo de sua modesta aposentadoria. Um típico mineiro que
adorava uma boa prosa e ficava profundamente constrangido com elogios”,
conta.
De formação religiosa cristã, Jhon, que também participou do
movimento umbandista, sempre procurou entender um pouco mais sobre a
religiosidade. Quando o escritor tinha 17 anos, passou a ter sonhos
curiosos com Chico Xavier. Como ouvia falar muito dele, começou a ter
muita vontade de conhecê-lo.
Para Harley, essa amizade interferiu em sua forma de pensar e agir.
Tornou-se espírita em 1980, quando passou a estudar os princípios
codificados por Allan Kardec, além das muitas obras psicografadas por
Chico Xavier e outros companheiros.
Para definir a figura central de seu livro, Jhon primeiro esclarece
que não tem nenhuma intenção em divinizá-lo, mas salienta que ele
sintetiza o significado mais puro de humanidade, “em tempos de
intransigência e intolerância e dentro de um contexto social
individualista”. “Essa humanidade dele ultrapassou os limites dos
movimentos religiosos por mim conhecidos, se materializando, no
transcorrer dos seus 92 anos de idade, em forma de generosidade,
compaixão e amor. Parafraseando o biógrafo uberabense Carlos Baccelli,
diria que Chico Xavier não foi um anjo exercendo o papel de um homem,
mas um homem, do mundo e no mundo, exercendo o papel de um anjo”.
Jhon compartilha que uma de suas alunas, indignada com o resultado da
pesquisa promovida pela TELEMAR e pela Rede Globo Minas, lhe perguntou o
que Chico Xavier teria feito para ser considerado o “Mineiro do
Século”, conquistando 704.030 votos, já que ele não teria inventado ou
feito nada de especial. “Olhei para ela com certa indignação. Ameacei
responder, mas comecei a pensar mais profundamente qual teria sido sua
grande invenção. Talvez a demonstração concreta de ser humanamente
possível colaborar na construção de uma sociedade mais justa, mais
fraterna e mais feliz. Na perspectiva histórica que a pesquisa se
desenvolve compreendo que não é um simples gesto de uma pessoa qualquer
que pode magicamente transformar a forma de organização social em que
vivemos, mas não posso deixar de afirmar que a coerência entre o falar e
o agir, associado ao seu poder de mobilização, pode gerar uma ação
coletiva de proporções inimagináveis. Para mim, Francisco Cândido Xavier
foi uma dessas pessoas”.
A ideia do livro começou a tomar forma em 1995, quando a diretora de
um jornal da região de Pedro Leopoldo lhe pediu que escrevesse um artigo
sobre os 85 anos de Francisco Xavier. O artigo “A Figura Humana de
Chico Xavier” foi enviado a Chico, que lhe escreveu dizendo ter gostado
muito. Mas somente em 2008, no I Encontro Nacional dos Amigos de Chico
Xavier e sua Obra, é que Jhon começou um trabalho mais sistematizado.
Nesse trabalho, o escritor procurou falar um pouco mais sobre o
processo de humanização de Chico Xavier na cidade de Pedro Leopoldo. “A
vida desse homem é um exemplo de testemunhos para todos nós, espíritas,
pois sendo tão humano quanto nós ele deu tanto sentido a sua humanidade
que nos dava a impressão de ser uma pessoa diferente, não humana.
Exemplificando os ensinamentos de Jesus, se tornou uma referência não só
para o nosso movimento, mas para os religiosos de uma maneira geral.
Sua maior qualidade foi o respeito pelas diferenças, que é um grande
ensinamento em tempos de tanta intransigência”, enfatiza.
O livro recupera informações históricas importantes e que foram
equivocadamente reproduzidas. O objetivo central é incentivar a leitura
sistematizada e o estudo das obras psicografadas por Chico Xavier.
Situações inusitadas
O elo de amizade proporcionou a Jhon Harley mencionar algumas
situações inusitadas. “Lembro-me quando, em uma das minhas visitas a
Chico, ao seu lado, observei que uma senhora, chorando copiosamente,
descrevia um quadro doloroso. Havia perdido toda a sua família em um
acidente automobilístico. Fiquei me perguntando como seria possível
consolar uma dor tão intensa? Para minha surpresa, Chico se levanta e a
abraça. Choram os dois. Depois do abraço busquei curioso o olhar daquela
mãe e observei que a dor ainda permanecia na face, mas ela esboçou um
sorriso que eu nunca consegui compreender. Diria que Chico Xavier, sem
dizer nada, disse tudo”.
Adriana Moura