Dra. Marlene NobreEntrevista publicada em 12 de abril de 2010
Dra.
Marlene Rossi Severino Nobre é médica, presidente da AME-Associação
Médico Espírita do Brasil e também da AME Internacional. É a diretora do
jornal Folha Espírita, de São Paulo, capital. Dra. Marlene é viúva do
grande jornalista Dr. José Freitas Nobre que, como Deputado Federal,
foi um dos mais respeitados parlamentares do país. Com larga folha de
trabalho, Dra, Marlene continua firme e forte na sua faina de divulgar a
Doutrina Espírita pelo Brasil e pelo mundo. É, atualmente, um dos mais
destacados nomes do movimento espírita internacional.
ISMAEL GOBBO - Caríssima Dra. Marlene, poderia nos fazer sua autoapresentação?
MARLENE NOBRE
- Sou Marlene Rossi Severino Nobre. Nasci em Severínia, interior do
Estado de São Paulo, em 1937, filha de pais espíritas - Pedro Severino
Júnior e Ida Rossi Severino - desde solteiros já comprometidos com a
causa espírita. Eles não se casaram na igreja católica, reuniram os
amigos no centro espírita, no dia das bodas, para os abraços de
confraternização. Meu pai era de Monte Azul Paulista e minha mãe, de
Monte Verde Paulista, ambos muito ligados a Cairbar Schutel – o baluarte
do Espiritismo da cidade de Matão, que tanta contribuição deu e
continua dando à divulgação, ao estudo e à vivência da Doutrina em nosso
país e no mundo. E, hoje, segundo Chico Xavier, no outro plano da vida,
é o responsável pelo livro espírita no Brasil. Minha mãe foi, aos 19
anos, ainda solteira, a mais jovem presidente de Centro Espírita do
Brasil em uma casa construída em Monte Verde pelo meu avô – Aristodemo
Rossi. Meu tio Leonardo Severino, irmão de meu pai, trabalhou a vida
toda em favor das obras de Matão, viajando para conseguir assinaturas do
jornal O Clarim e da Revista Internacional do Espiritismo, ao lado de
Giacomo Di Bernardo e de outros pioneiros do interior paulista. Ainda
segundo nosso amado Chico, eu me comunicava com o Sr. Schutel em Matão,
antes da minha reencarnação, o que se concretizou seis meses antes da
desencarnação do nosso amado bandeirante do Espiritismo. Casei-me com
Freitas Nobre em maio de 1964. Tivemos dois filhos: Marcos e Marcelo.
Marcos é professor de Filosofia e Ciência Política na Unicamp e Marcelo é
advogado, fazendo parte, no momento, do CNJ - Conselho Nacional de
Justiça. Tenho uma filha pelo coração, Marília Oliveira Chaves, que está
com 21 anos e cursa Direito. Marcelo é casado com Mônica Autran Campos
Machado, minha norinha, que é juíza federal. Tenho dois netinhos – Ana
Luísa e João Pedro – duas estrelas a iluminar e a aquecer nossas vidas.
IG - Qual a sua trajetória acadêmica e profissional?
MN -
Sou de uma época em que o vestibular de Medicina ainda não era
unificado, por isso, tendo ficado entre os dez excedentes do vestibular
de Medicina da Faculdade de Pinheiros (USP), fui para Ribeirão Preto na
esperança de tentar a segunda chamada por lá. Mas em 1957 não houve,
porque as vagas tinham sido todas preenchidas na mesma época em que
prestei vestibular em São Paulo. Eu já me preparava para voltar para
minha casa e fazer Biologia na USP, curso para o qual eu também havia
feito vestibular e passado, quando minha amiga, Maria Emília Barboni, de
Ribeirão, me deu uma sugestão que mudaria minha vida. Com bastante
ênfase, ela disse que eu deveria prestar vestibular de Medicina em
Uberaba, porque o curso médico era o meu ideal e não o de Biologia. Para
isso, eu não deveria perder tempo, porque os exames estavam para
ocorrer por aqueles dias. Se Medicina era o meu ideal – disse ela – eu
deveria tentar. E foi de uma bondade inesquecível, facilitando-me em
tudo: passagem de ônibus, auxílio financeiro para a pensão onde eu
deveria ficar em Uberaba, além do suporte espiritual, que só as grandes
almas oferecem aos amigos. Foi assim que iniciei o meu curso em Uberaba,
no final de fevereiro de 1957. Terminei -o em dezembro de 1962, e
depois fixei residência junto aos meus pais, na capital paulista. Fiquei
de 1963 a 1967 como estagiária do Prof. Dr. José Medina, no
Departamento de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital das Clínicas de
São Paulo. Depois, em 1967, estagiei nos hospitais Broca e Boucicault,
ambos em Paris, por indicação do nosso chefe e instrutor do HC. Depois, a
partir de 1968, fui para o Instituto de Previdência (Inamps), onde
trabalhei cerca de 30 anos na especialidade para a qual fui mais
preparada: o serviço de prevenção do câncer em senhoras. Estou
aposentada desde 1994, porque antes da tarefa médica eu trabalhei seis
anos como funcionária do Colégio Paes Leme, em São Paulo, de 1950 a
1956. Assumi em 1995 a presidência da Associação Médico-Espírita do
Brasil, acompanhando-a desde a sua fundação até os dias de hoje. Também
tomei parte na primeira diretoria da Associação Médico-Espírita de São
Paulo, fundada em 30 de março de 1968, da qual originaram-se as outras
AMEs, inclusive a brasileira.
IG - Pelo que depreendemos da resposta anterior, a senhora é uma espírita de berço.
MN -
Sim, sou espírita desde o berço. Meus pais tiveram um lar muito
harmonioso. Sobretudo eles nos ensinaram o amor ao Mestre Jesus e a
Kardec. Não tinham ambição material. Eles nos criaram dentro dos padrões
da simplicidade e sempre diziam que o único tesouro que deixariam para
os oito filhos era o Evangelho de nosso Senhor Jesus Cristo,
interpretado por Allan Kardec. Uma grande herança também que recebemos
foi a de valorizar as amizades. Por décadas a fio, meus pais foram fiéis
aos amigos, ensinando-nos que o sentimento de amor deve sobrepujar
quaisquer outros interesses. Certa vez, Chico me disse que se eu
fracassasse eu não teria perdão, porque tive pais espíritas
maravilhosos. Cada vez mais dou razão ao Chico.
IG - Como foi o encontro com Freitas Nobre?
MN
- Encontrei Freitas Nobre em 1962, em Uberaba, nos trabalhos da
Comunhão Espírita Cristã, quando ele realizou um grande sonho: conhecer
Chico Xavier. Isso foi possível graças ao incentivo de nosso grande
amigo, Spartaco Ghilardi, do Grupo Espírita Batuíra de São Paulo, que
organizava caravanas periódicas para visitar Chico em Uberaba. Nessa
mesma caravana, de maio de 1962, estavam, entre outros, o Dr. Luiz
Monteiro de Barros e Apolo Oliva Filho, amigos de longa data. Na sessão
pública da qual tomaram parte, Emmanuel deu uma mensagem especial
chamada "Os pacificadores" que faria parte do livro de comemoração dos
100 anos de "O Evangelho segundo o Espiritismo". Ao final dos trabalhos,
Chico nos disse que a mensagem era dirigida ao Freitas, e complementou
dizendo que o Brasil penderia fortemente para a esquerda, depois para a
direita, e que, finalmente, iria para o centro, afirmando também que o
Dr. Nobre – era assim que Chico chamava o Freitas – desempenharia um
papel muito importante na pacificação do nosso país. Acredito,
sinceramente, que ele tenha contribuído para isso. Em 1962, Freitas era
vice-prefeito de São Paulo, governando a cidade ao lado de Prestes Maia.
Antes ele havia sido vereador da capital por várias legislaturas.
Casamo-nos em maio de 1964, logo após Freitas ter deixado o cargo, já
sob o jugo militar. A partir de então foram muitos os sobressaltos,
sempre na expectativa da cassação dos seus direitos políticos, o que
nunca se concretizou, acreditamos, por interferência do plano
espiritual. Desde que conheceu Chico, toda a vida política do Freitas
foi direcionada pelas cartas do Dr. Bezerra de Menezes, através do
médium. Por orientação dele, exilou-se voluntariamente em Paris, de
novembro de 1966 a novembro de 1967, para fazer curso de pós-graduação
em Comunicação na Sorbonne. Em 1968, em campanha de somente 40 dias,
Freitas foi eleito, com enorme votação, deputado federal, tendo
desenvolvido um trabalho exemplar ao longo de quatro legislaturas
seguidas. Foi muito importante a sua contribuição para o MDB dos
autênticos e para a redemocratização do país.
IG - Como foi a sua experiência como esposa do político Freitas Nobre, de trajetória brilhante em São Paulo e Brasília?
MN
- Felizmente, sempre me mantive na retaguarda. Nunca participei da vida
social e política de Brasília. Em 16 anos de vida parlamentar, devo ter
ido à capital do país por duas vezes somente. Poucos da esfera política
me conheceram ou me conhecem. Freitas nunca desejou que nos mudássemos
de São Paulo e isso veio de encontro ao meu ideal de servir à causa
espírita, dentro do pouco que tenho para oferecer. Ele passava os fins
de semana conosco, permanecendo mais tempo por aqui nas férias do
Parlamento. Em 1963, iniciamos as tarefas de assistência aos mais
carentes em Santo André e São Caetano do Sul e, em 1966, em Diadema.
Conforme instrução do Chico, fundamos o Grupo Espírita Cairbar Schutel.
Freitas participou conosco dos primeiros tempos, logo depois, a partir
de 1968, ele tinha que estar em Brasília.
IG - Embora saibamos ser muito extensa, poderia sintetizar sua participação no movimento espírita?
MN
- O culto do Evangelho em nossa casa, feito com tanta unção por meus
pais, é uma referência inesquecível na minha vida, uma vigorosa viga de
sustentação de minha alma carente de Espiritualidade. Também foi um
marco fundamental em minha trajetória de vida o Grupo Espírita
Conceição-Carolina, do qual participei na minha adolescência na casa de
meu avô Aristodemo Rossi, à Rua Bela Cintra, em São Paulo, dirigido por
meu pai, Pedro Severino Jr., com a participação assídua do meu irmão
Paulo Rossi Severino e de alguns conhecidos e parentes, e que depois se
transformaria no Grupo Espírita Cairbar Schutel. De 1957 a 1962,
enquanto fiz Medicina na Faculdade Federal do Triângulo Mineiro, estive
diretamente ligada ao movimento espírita em Uberaba, particularmente aos
trabalhos da Comunhão Espírita Cristã (CEC), junto ao nosso Chico. Além
das tarefas nas sessões públicas da CEC, dei aulas de moral cristã na
evangelização infantil do Centro Espírita Uberabense e fiz dois
programas de rádio.
De 1963 a 1991, estive mais ligada às tarefas do
Grupo Espírita Cairbar Schutel, tanto às doutrinárias quanto às
assistenciais, participando principalmente, a partir de 1977, da Creche
Lar do Alvorecer. Começamos com 30 crianças e hoje temos 230. Quase não
fiz palestras nesse período, a não ser em nosso próprio Grupo, em
algumas casas espíritas dirigidas por amigos e conhecidos, e em
simpósios da AME-SP. Em abril de 1974, por incentivo do nosso Chico, meu
marido fundou o jornal Folha Espírita, com o qual colaborei desde as
primeiras horas. Em 1968, 30 de março, tivemos um marco importante com a
fundação da Associação Médico-Espírita de São Paulo, da qual fui a
primeira secretária. Muitos colegas, dentre os quais Luiz Monteiro de
Barros, Adroaldo Modesto Gil, Antonio Ferreira Filho, Eurico Branco
Ribeiro, Maria Júlia Prieto Peres, Alberto Lyra, Miguel e Luiz Dorgan,
uniram-se sob a inspiração de Batuíra e Bezerra de Menezes, através do
médium Spartaco Ghilardi, para lançar as bases do movimento
médico-espírita no Brasil. Com a desencarnação de meu marido, a 19 de
novembro de 1990, fui chamada, cerca de quinze dias depois, por Dr.
Bezerra de Menezes para a tarefa de aglutinar colegas e formar a
AME-Brasil. A partir daí, começou uma outra etapa na minha vida, porque
fiquei mais ligada ao movimento médico-espírita, sem, no entanto,
abandonar nenhuma das tarefas a que estava anteriormente vinculada.
IG - Como surgiram as AME’s no Brasil e no exterior?
MN -
Em fevereiro de 1990, assumi a presidência da Associação
Médico-Espírita de São Paulo, que atravessava naquele momento um período
de muita turbulência espiritual. Chico Xavier veio em meu auxílio, por
ocasião de uma das minhas visitas a Uberaba, dizendo-me para eu ter
paciência, que o Dr. Bezerra iria me ajudar, porque uma falange
negativa havia se postado contra a AME, tentando impedi-la de realizar
importante tarefa que lhe estava reservada dentro do movimento espírita.
No começo de 1990, dos nove elementos da diretoria, ficamos reduzidos a
apenas dois e a frequência não passava de meia dúzia de colegas, se
tanto. Chico foi nosso grande sustentáculo nessa fase difícil. No final
de 1990, como já me referi, dia 19 de novembro, meu marido partiu, aos
68 anos, vítima de câncer. No início de dezembro, Dr. Bezerra de Menezes
conclamou-me para a tarefa mais ampla a que Chico se referira e que só a
partir de então tomei conhecimento: a de chamar os colegas para a
fundação da Associação Brasileira, que aglutinaria todas as AMEs. E que
eu deveria me empenhar para a fundação das AMEs nos Estados, porque era
chegada a hora. Disse-me o nosso patrono que a Associação já estava
formada no coração de Jesus e que nós precisávamos materializá-la na
Terra. E assim foi feito. Iniciamos, em 1991, com vistas à concretização
desse projeto, o primeiro Congresso da AME-São Paulo, no Anhembi,
conclamando os colegas de todos os Estados para a fundação das AMEs. No
Terceiro Congresso, em 1995, no dia 17 de junho, com nove AMEs já
formadas, fundamos a AME-Brasil. Estamos completando, em 2010, 15 anos
de fundação com quarenta AMEs em funcionamento. Além do nosso site
(www.amebrasil.org.br), trabalhamos agora em nossa revista virtual, que
será lançada em comemoração aos 15 anos. Vários livros foram publicados e
outros estão sendo planejados para publicação em breve. A cada dois
anos temos o Mednesp – o congresso nacional que congrega todas as AMEs. O
de 2011 será em Belo Horizonte, no feriado de Corpus Christi.
Em junho de 1999, com representantes de seis países – Argentina,
Brasil, Colômbia, Guatemala, Panamá e Portugal – fundamos a
AME-Internacional. Desde 2001 eventos são realizados com a participação
dos médicos da AME que integram os diferentes países. Hoje, além das
AMEs fundadoras, temos AME-EUA, AME-Cuba, AME-Suíça. E outras mais em
vias de fundação.
IG - No Brasil e no exterior como vão as atividades dessas associações?
MN -
As AMEs do exterior têm procurado realizar eventos e manter sites. No
Brasil, cada AME tem sua característica própria e se dedica com mais
afinco a determinadas tarefas. Mas todas elas são dinâmicas e têm
produzido muitos eventos, cursos, seminários, livros, visando difundir o
paradigma médico-espírita. Em alguns Estados, há também parcerias muito
interessantes entre os centros espíritas e as AMEs, com vistas às
pesquisas da Terapêutica Complementar Espírita e também em tarefas de
auxílio aos irmãos carentes.
IG - O trabalho tem sido reconhecido pela comunidade científica?
MN -
Já avançamos muito, mas a mudança de paradigma se faz de maneira lenta,
gradual. Ela é, no entanto, inevitável. A construção da espiritualidade
na Medicina veio para ficar. Aos poucos, os preconceitos vão sendo
vencidos e os novos conceitos passam a ser incorporados pela maioria das
instituições de saúde, beneficiando, em muito, a vida no planeta. Mas é
preciso paciência. E, sobretudo, tolerância e compreensão, porque, como
dizia Einstein, é mais fácil quebrar um átomo do que um preconceito.
IG - De que forma tem-se organizado para dar conta de tantas atividades?
MN -
Tenho dois filhos maravilhosos, que respeitam o meu ideal de vida. E o
mesmo posso dizer da minha norinha e dos meus netos. O nosso
entendimento familiar me permite, hoje, ampla liberdade de agir. Aliás,
sempre usufruí de liberdade, desde que meu marido estava entre nós, mas
com a sua desencarnação, em 1990, e a emancipação de meus filhos, é
natural que eu tenha muito mais tempo hoje para dedicar-me ao que
considero meu ideal de vida. De 1963 a 1990, dediquei-me inteiramente ao
exercício da Medicina, à minha família e às atividades do Grupo
Espírita Cairbar Schutel (GECS), tanto em Diadema quanto em São Paulo.
Nesse mesmo período, estive envolvida com as tarefas da Associação
Médico-Espírita de São Paulo e as da Folha Espírita, mas nessas duas
instituições, até 1990, minhas obrigações eram menores. A partir da
desencarnação do meu marido, em 1990, passei a ser inteiramente
responsável pela Folha Espírita, até que em 2004 um grupo de
companheiros do GECS, de grande garra e competência, assumiu comigo o
ideal do nosso jornal. Também foi a partir de 1990 que fui chamada pela
Espiritualidade, em particular pelo Dr. Bezerra de Menezes, para a
formação da AME-Brasil, o que veio a se tornar realidade em 1995. Em
2000, o Dr. Sérgio Felipe de Oliveira assumiu a AME-São Paulo e, em
2006, foi a vez do colega Rodrigo Bassi, que a tem dirigido com grande
competência desde então. Tudo se tornou bem mais amplo para mim a partir
de 1999 com a fundação da AME-Internacional e as idas freqüentes ao
exterior, desde 2.001. Tento me organizar para prosseguir com as tarefas
do GECS, do Lar do Alvorecer, da Folha Espírita, da AME-Brasil e
Internacional. E também cumprir a minha parte nos programas da rádio Boa
Nova – Diálogos médicos – e da TV, Portal de luz. Como é natural, só
posso dirigir essas instituições com a contribuição da comunicação
cibernética. Tenho de dar conta de dezenas de e-mails por dia,
entrevistas, gravações semanais, e tudo isso costurado com as minhas
frequentes viagens de divulgação do ideal médico-espírita. Para isso,
não tiro férias, trabalho muito nos feriados e raramente tenho outra
atividade que não seja a doutrinária. Não creio, no entanto, que esteja
fazendo algo que me distinga dos demais companheiros de ideal espírita,
sinceramente, acho que faço pouco. Deveria me empenhar mais. Sempre
gostei de trabalhar e agora me sinto muito feliz, porque estou ligada ao
que realmente gosto de fazer.
IG - Como tem sido a aceitação do trabalho da AME no exterior?
MN
- Creio que a linguagem médico-espírita está mais voltada ao braço
científico da Doutrina, por isso tem sido bem aceita por nossos irmãos
do exterior. Todos nós sabemos a dificuldade que é divulgar o
Espiritismo em outros países, e isso se dá principalmente porque não há
aceitação do movimento da forma como é organizado no Brasil. Temos de
compreender que são culturas diferentes. Os europeus, por exemplo, têm
desgostos profundos com seitas e religiões, por isso são arredios a
quaisquer apelos nesse sentido. E, infelizmente, incluíram também nessa
rejeição as lições do Cristo, daí a dificuldade de aceitar o modo
brasileiro de viver o Espiritismo. Eles não gostam de pregação no velho
estilo, daquele que lhes pareçam lavagem cerebral, imposição de ideias,
sem discussão. O modo como os médicos das AMEs apresentam as palestras
tem agradado, porque, primeiramente, nós levamos a argumentação
científica, chamando à razão, e depois tiramos a conclusão religiosa. Há
também um gosto apurado para pesquisas e essas são muito diferentes das
que foram realizadas no século XIX. E é justamente nelas que as nossas
AMES têm procurado se esmerar. Nós temos de compreender que a cultura
brasileira não é assimilada por eles, é muito diferente. Se levarmos
isso em consideração, o sucesso da Doutrina será bem maior, porque a fé
raciocinada é algo imperativo para as outras culturas. E nós devemos
fazer de tudo para respeitá-las.
IG - Quais as atividades programadas para 2010?
MN
- Iniciamos com a comemoração dos 100 anos de Chico, em Lisboa, no dia 2
de abril, em parceria com o Grupo Espírita Batuíra, de Algés. Dias 29 e
30 de maio teremos as V Jornadas de Medicina e Espiritualidade em
Lisboa, nos dias 5 e 6 de junho o 3º Congresso Francofônico em Liège,
Bélgica, e nos dias 11,12, 13 de junho o 3º Congresso de Medicina e
Espiritualidade dos EUA, em Washington. No segundo semestre, 29 e 30/10,
em Amsterdam, I Congresso de Medicina e Espiritualidade da Holanda,
dias 6 e 7 de novembro, o III Congresso de Medicina e Espiritualidade da
Suíça, e dias 13 e 14 de novembro, em Bonn, teremos o III Congresso
Alemão.
IG - E o dia-dia da Sra. na casa espírita?
MN -
Sempre que estou em São Paulo procuro estar presente às nossas
atividades no Grupo Espírita Cairbar Schutel. Faço atendimento fraterno
às segundas-feiras, breve explanação de textos de "O Evangelho segundo o
Espiritismo"e de "O Livro dos Espíritos", como aprendi com o Chico, em
Uberaba. Há também nesse dia o trabalho de psicografia. Às
terças-feiras, temos cursos, às quartas-feiras, desobsessão, e às
quintas, cursos. Outros irmãos e irmãs de ideal auxiliam também com
outras atividades nos mesmos dias e nos demais dias da semana. Só não
temos tarefas na casa aos domingos. Neste ano, completo 50 anos de
exercício das faculdades mediúnicas de psicofonia e psicografia, mas na
minha cabeça parece que iniciei ontem!
IG - Poderia nos falar de sua convivência com Chico Xavier?
MN -
Conheci Chico em outubro de 1958, às vésperas da sua mudança para
Uberaba, o que veio a ocorrer em janeiro de 1959. Ele pediu ao meu
colega de faculdade, Waldo Vieira, que me levasse até ele, porque
precisava conversar comigo. Durante a entrevista, como não o conhecia,
apenas havia lido suas obras, fiquei muito admirada com o convite que me
fez, o de trabalhar com ele nas sessões públicas da Comunhão Espírita
Cristã, a partir de janeiro, quando ele já estivesse instalado
definitivamente em Uberaba. E foi o que aconteceu. Durante cerca de
quatro anos, de janeiro de 1959 a dezembro de 1962, trabalhei com ele,
dando minha pequena parcela de contribuição na interpretação dos textos
de "O Livro dos Espíritos" e de "O Evangelho segundo o Espiritismo",
obras que eram estudadas nos dias de sessão pública. Nesse encontro, em
1958, ele me deu detalhes de um trabalho assistencial que fazíamos, às
quartas-feiras, nos arredores do bairro da Abadia, em Uberaba. Éramos um
pequeno grupo – Ligia Alonso Andrade, “seu” Lázaro, de saudosa memória,
que segurava o lampião no ombro para nos iluminar, porque na parte do
bairro que visitávamos não havia luz elétrica, e mais um ou dois
companheiros esporádicos. Como não conhecia bem de perto a mediunidade
de Chico, fiquei espantada com os detalhes que ele me deu da nossa
peregrinação das quartas-feiras. Ele só podia ter acompanhado em
espírito para saber de tanta coisa. Mesmo tendo me mudado para São
Paulo, em 1963, nossa amizade permaneceu sempre a mesma, até a sua
desencarnação, em 2002. Como somos imortais, com certeza perdurará por
toda a eternidade. Guardo desse período da minha vida as mais gratas
lembranças. Fui profundamente marcada por sua bondade, por sua humildade
genuína. Por isso mesmo reconheço a enorme distância que nos separa do
ponto de vista espiritual e a grande responsabilidade que assumi por ter
trabalhado com ele e tomado conhecimento de sua obra.
IG - Qual a dimensão que enxerga na obra psicográfica de Chico Xavier no contexto da Doutrina Espírita?
MN
- A produção psicográfica de Chico Xavier ampliou os ensinamentos de
Allan Kardec, acrescentando as revelações que não poderiam ser feitas no
século XIX. Com Emmanuel, nós temos os desdobramentos das lições
abordadas pelo Mestre Jesus e seus discípulos, comentadas pelo
Codificador no importante livro de sua autoria - "O Evangelho segundo o
Espiritismo" -, obra monumental que se constitui em uma estaca profunda
na construção do edifício do reino dos céus na Terra. Como Emmanuel fez
parte da plêiade de espíritos que trabalhou à época de Kardec, ele
continuou no século XX a analisar os ensinamentos evangélicos e trouxe
também algo muito importante - revelações no campo da ciência. Apenas
para citar veja-se o quanto há de ciência nos livros "Pensamento e vida"
e "A caminho da luz". André Luiz devassou o mundo espiritual. Trouxe os
desdobramentos já antevistos por Kardec no livro "O Céu e o Inferno" e
na coleção da Revista Espírita com os inúmeros depoimentos de
desencarnados, que ele colecionou em sua pesquisa criteriosa, aplicada
no século XIX. Junto com as informações sobre a vida no além, André Luiz
trouxe também as inúmeras revelações científicas que estão sendo
comprovadas depois de décadas de informação. Os livros de sua coletânea
trazem revelações científicas importantes quanto à natureza da luz e de
sua participação na formação dos corpos físicos e sutis; informa sobre o
funcionamento das células e dentro delas o papel das mitocôndrias; do
mesmo modo expõe o papel neuroendócrino da glândula pineal; traz
indicações importantes quanto ao funcionamento do nosso cérebro;
desvenda a ação da mente – pensamentos e sentimentos – sobre o nosso
organismo; o modo como a mente pode atuar sobre o genoma e modificar a
conta do nosso destino para o bem ou para o mal; elucida a evolução do
ser humano em dois mundos – o material e o espiritual – ao longo de
bilhões de anos, etc., etc. A revelação espiritual tanto na obra de
Kardec quanto na de Chico Xavier – Emmanuel é dedicada ao ser humano
integral. Em ambas, a ciência vem imbricada à fé. Não há como separar.
Assim, encontramos as revelações científicas nas obras de André Luiz,
integradas, perfeitamente, às descrições das paisagens e vivências no
mundo espiritual. Há muitas revelações científicas a serem estudadas
nessa obra magnífica. Muitas delas feitas há 50 ou 60 anos, mas que
somente agora a ciência está comprovando, através de pesquisas. E há
muitas mais a serem constatadas, conforme vem investigando os membros
das AMEs do Brasil.
IG - A AME tem alguma programação alusiva à comemoração do centenário de nascimento de Chico Xavier?
MN
- Já tivemos a primeira comemoração nos dias 2 e 3 de abril, em Lisboa,
dois dias inteiramente dedicados às lembranças de Chico e de Isabel de
Aragão, sua protetora. O programa Portal de luz, nas quatro edições de
abril, também foi inteiramente dedicado a Chico. O mesmo fizemos – Dr.
Marco Antonio Palmieri e eu mesma - nos programas da Rádio Boa Nova –
Diálogos médicos, durante o mês de abril. O III Congresso de Medicina e
Espiritualidade de Alagoas, que se realizará em Maceió, de 14 a 16 de
maio, sob a direção de Ricardo Santos, nosso colega, presidente da
AME-Alagoas, será inteiramente dedicado ao centenário de nascimento de
Chico Xavier. Assim também, teremos em São Paulo, nos dias 4 e 5 de
dezembro, as Jornadas de Medicina e Espiritualidade da AME-São Paulo, em
homenagem ao querido Chico.
IG - Algo mais que queira acrescentar?
MN
- Gostaria de dizer que relutei muito em abrir o coração e responder
tantas perguntas sobre mim mesma, porque estou muito longe de merecer o
carinho e a confiança dos amigos da seara espírita. Somente me decidi
quando me fixei no título da entrevista: "trabalhador espírita". Sim,
isso eu quero ser. Não vejo em mim nenhum mérito, mas há algo que eu
luto por alcançar: ser servidora do Mestre Jesus e de Kardec, dentro do
pouco que posso oferecer. Agradeço a paciência dos que leram os meus
singelos arrazoados até aqui. Que Jesus, nosso Mestre de amor e bondade, a
todos nos ilumine e abençoe.
FOTOS: CONGRESSO
MEDICINA E ESPIRITUALIDADE EM BONN, ALEMANHA , 2008; A PARTIR DA
ESQUERDA, FERNANDA MARINHO GOBEL, DRA. MARLENE NOBRE E ELSA ROSSI, BONN,
ALEMANHA, 2008; VISITA À CASA DE BEETHOVEN, EM 2008, COM PARTICIPANTES
DO CONGRESSO; PALESTRA NO I ENCONTRO DOS AMIGOS DE CHICO XAVIER, EM
UBERABA, 2008; EM PEIRÓPOLIS, POR OCASIÃO DO LANÇAMENTO DO FILME DE
EURIPEDES BARSANULFO; COM HEIGORINA CUNHA, EM SACRAMENTO; DR. FREITAS
NOBRE, PRIMEIRO A DIREITA, PARTICIPANDO DO I SIMPÓSIO JURIDICO ESPÍRITA,
NA OAB-SP, PRESIDIDO POR DRA. MARILIA DE CASTRO, NO CENTRO (FOTO
ACERVO MARILIA DE CASTRO). FREITAS NOBRE E MARLENE NOBRE NA CAMPANHA DO
PRÊMIO NOBEL DA PAZ PARA CHICO XAVIER; CHICO XAVIER E MARLENE NOBRE;
FREITAS NOBRE, CHICO XAVIER E MARLENE NOBRE (FOTOS MARLENE NOBRE); FOTOS
DA ALEMANHA, FERNANDA MARINHO GOBEL;
AS DEMAIS FOTOS NO BRASIL ISMAEL
GOBBO.