A Revista Espírita foi dirigida e publicada por Kardec até sua morte, em 1869 A "Revista Espírita, ou "Jornal de estudos psicológicos", periódico mensal escrito e publicado por Allan Kardec entre janeiro de 1858 e abril de 1869, é uma das obras consideradas pelo seu autor como fundamentais da ciência espírita. Embora pouco conhecida nos dias atuais, essa obra continua sendo de grande importância para quem quer conhecer melhor o Espiritismo e experimentar o modelo de movimento espírita proposto por Allan Kardec.
Reproduzimos aqui a introdução que o mestre inseriu no primeiro número publicado em 1 de janeiro de 1858.
"A rapidez com que em todas as partes do mundo se propagaram os estranhos fenômenos das manifestações espíritas é uma prova do interesse que despertam. A princípio, simples objeto de curiosidade, não tardaram em chamar a atenção de homens sérios que, desde o início, entreviram a inevitável influência que viriam a ter sobre o estado moral da sociedade. Cada dia se tornam mais populares as ideias novas que deles surgem, e nada lhes barrará o progresso, pela simples razão de que esses fenômenos estão ao alcance de todos, ou de quase todos, e nenhum poder humano lhes impedirá a manifestação. Se os abafam num ponto, aparecem em cem outros. Aqueles, pois, que neles descobrissem um inconveniente qualquer seriam constrangidos pela mesma força dos fatos a lhes sofrer as consequências, como acontece às indústrias novas que, de começo, ferem interesses particulares, mas, ao final das contas, todos se acomodam, porque não poderia ser de outro modo.
O que não foi feito e dito contra o magnetismo! Entretanto, todos os raios lançados contra ele, todas as armas com que foi ferido, inclusive o ridículo, esbarraram ante a realidade e apenas serviram para colocá-lo em maior evidência. É que o magnetismo é uma força natural e ante as forças naturais o homem é um pigmeu, semelhante a esses cachorrinhos que ladram inutilmente contra tudo quanto lhes mete medo.
Dá-se com as manifestações espíritas o mesmo que com o sonambulismo: se elas não se produzirem à luz do dia e publicamente, ninguém impedirá que ocorram na intimidade, pois cada família pode descobrir um médium entre os seus membros, desde as crianças até os velhos, bem como pode encontrar um sonâmbulo. Assim, quem poderá impedir que o primeiro que encontramos seja médium e sonâmbulo? Sem dúvida, os que o combatem não pensaram nisso. Insistimos: quando uma força está na natureza, pode ser paralisada por um instante, mas nunca aniquilada! Apenas poder-se-á desviar o seu curso. Ora, a força que se revela no fenômeno das manifestações, seja qual for a sua causa, está na natureza, assim como o magnetismo, e não será aniquilada, como o não será a força elétrica. O que é preciso é que seja observada e estudada em todas as suas fases, a fim de se deduzirem as leis que a regem. Se for um erro e uma ilusão, o tempo fará justiça; se for a verdade, esta é como o vapor: quanto mais comprimido maior será a sua força de expansão.
Admiram-se de que enquanto na América só os Estados Unidos possuem dezessete jornais consagrados ao assunto, sem contar um sem-número de escritos não periódicos, a França, o país da Europa onde mais rapidamente as ideias se aclimataram, não possua nenhum [1]. Seria desnecessário contestar a utilidade de um órgão especial que ponha o público a par do progresso dessa nova ciência e a previna contra os exageros da credulidade, tanto quanto do ceticismo. É uma tal lacuna que nos propomos preencher com a publicação desta Revista, com o fito de oferecer um meio de comunicação a todos quantos se interessam por essas questões e de ligar, por um laço comum, os que compreendem a Doutrina Espírita sob seu verdadeiro ponto de vista moral: a prática do bem e a caridade evangélica para com todos.
Se se tratasse apenas de uma coleta de fatos, fácil seria a tarefa. Eles se multiplicam em toda parte com tal rapidez que não faltaria matéria, mas os fatos, por si sós, tornam-se monótonos pela repetição e, principalmente, pela similitude. O que é necessário ao homem que pensa é algo que lhe fale à inteligência. Faz poucos anos que se manifestaram os primeiros fenômenos e já estamos longe das mesas girantes e falantes que representaram sua infância. Hoje é uma ciência que descobre todo um mundo de mistérios, que patenteia as verdades eternas apenas pressentidas por nosso espírito. É uma doutrina sublime que mostra ao homem o caminho do dever e descobre o mais vasto campo jamais apresentado à observação do filósofo. Nossa obra seria, pois, incompleta e estéril se nos mantivéssemos nos estreitos limites de uma revista anedótica, cujo interesse em breve teria passado.
Talvez nos contestem a denominação de ciência que damos ao Espiritismo. Ele não teria, sem dúvida e em nenhum caso, as características de uma ciência exata e precisamente nisso está o erro dos que o pretendem julgar e experimentar como uma análise química ou um problema de Matemática; já é bastante que seja uma ciência filosófica. Toda ciência deve basear-se em fatos, mas estes, por si só, não constituem a ciência. Ela nasce da coordenação e da dedução lógica dos fatos: é o conjunto de leis que os regem. Chegou o Espiritismo ao estado de ciência? Se se trata de uma ciência acabada, sem dúvida será prematuro responder afirmativamente, mas as observações já são hoje bastante numerosas para permitirem pelo menos deduzir os princípios gerais onde começa a ciência.
O exame raciocinado dos fatos e das consequências deles decorrentes é, pois, um complemento, sem o qual nossa publicação seria de medíocre utilidade e apenas ofereceria um interesse secundário a quem reflete e quer dar-se conta do que vê. Contudo, como nosso objetivo é chegar à verdade, acolheremos todas as observações que nos forem dirigidas e, tanto quanto o permitir o estado dos conhecimentos adquiridos, procuraremos resolver as dúvidas e esclarecer os pontos ainda obscuros. Nossa Revista será, assim, uma tribuna, na qual, entretanto, a discussão jamais deverá afastar-se das normas das mais estritas conveniências. Numa palavra, discutiremos, mas não disputaremos. As inconveniências de linguagem jamais foram boas razões aos olhos da gente sensata: é a arma daqueles que não possuem algo melhor e que se volta contra quem a maneja.
Embora os fenômenos de que nos ocupamos se tenham produzido, nos últimos tempos, de maneira mais geral, tudo prova que têm ocorrido desde as eras mais remotas. Não acontece com os fenômenos naturais o mesmo que acontece nas invenções que acompanham o progresso do espírito humano, pois desde que estão na ordem das coisas sua causa é tão antiga quanto o mundo e os seus efeitos devem ter-se produzido em todas as épocas. Portanto, o que hoje testemunhamos não é uma descoberta moderna: é o despertar da antiguidade, mas da antiguidade desembaraçada do envoltório místico que gerou as superstições; da antiguidade esclarecida pela civilização e pelo progresso no campo das coisas positivas.
A consequência capital que decorre desses fenômenos é a comunicação que os homens podem estabelecer com os seres do mundo incorpóreo e, dentro de certos limites, o conhecimento que podem adquirir de seu estado futuro. O fato das comunicações com o mundo invisível acha-se, em termos inequívocos, nos livros bíblicos. Mas de um lado, para alguns céticos, a Bíblia não é autoridade suficiente; do outro, para os crentes, são fatos sobrenaturais, suscitados por um favor especial da Divindade. Não representariam, então, para todo mundo, uma prova da generalidade dessas manifestações se as não encontrássemos em mil outras fontes diversas. A existência dos espíritos e sua intervenção no mundo corpóreo é atestada e demonstrada não como um fato excepcional, mas como um princípio geral em Santo Agostinho, São Jerônimo, São João Crisóstomo e São Gregório Nazianzeno e muitos outros pais da Igreja. Essa crença forma, além disso, a base de todos os sistemas religiosos. Os mais sábios filósofos da antiguidade a admitiam: Platão, Zoroastro, Confúcio, Apuleio, Pitágoras, Apolônio de Tiana e tantos outros. Encontramo-la no mistério e nos oráculos, entre os gregos, os egípcios, os hindus, os caldeus, os romanos, os persas, os chineses. Vemo-la sobreviver a todas as vicissitudes dos povos, a todas as perseguições, e desafiar todas as revoluções físicas e morais da humanidade.
Mais tarde a encontramos entre os adivinhos e feiticeiros da Idade Média; nos Willis e nas Valquírias dos escandinavos; nos Elfos dos teutões; nos Leschios e nos Domeschnios Doughi dos eslavos; nos Ourisks e nos Brownies da Escócia; nos Poulpicans e nos Tensarpoulicts dos bretões; nos Cemis dos caraíbas; numa palavra, em toda a falange de ninfas, gênios bons e maus, silfos, gnomos, fadas e duendes, com os quais todas as nações encheram o espaço.
Encontramos a prática das evocações nos povos da Sibéria, no Kamtchatka, na Islândia, entre os índios da América do Norte ou os aborígenes do México e do Peru, na Polinésia e até entre os estúpidos selvagens da Nova Holanda.
Não será por alguns absurdos de que essa crença se cercou ou se revestiu em vários tempos e lugares que se há de desconhecer que parte de um mesmo princípio, mais ou menos desfigurado. Ora, uma doutrina não se torna universal, não sobrevive a milhares de gerações, não se implanta de um polo a outro entre os povos mais diversificados e em todos os graus da escala social se não estiver fundada em algo de positivo.
O que será esse algo? É o que no-lo demonstram as recentes manifestações. Procurar as relações possivelmente existentes entre essas manifestações e todas essas crenças é buscar a verdade.
A história da Doutrina Espírita é, de certo modo, a história do espírito humano. Teremos que estudá-la em todas as fontes, que nos facultarão um veio inesgotável de observações tão instrutivas quão interessantes, sobre os fatos geralmente pouco conhecidos. Essa parte nos dará oportunidade de explicar a origem de uma porção de lendas e de crenças populares que participam da verdade, da alegoria e da superstição.
No que concerne às manifestações atuais, relataremos todos os fenômenos patentes que testemunharmos ou que chegarem ao nosso conhecimento sempre que nos parecerem merecedores da atenção dos nossos leitores. Do mesmo modo o faremos em relação aos efeitos espontâneos por vezes produzidos entre pessoas alheias às práticas espíritas, que ora revelam um poder oculto, ora a independência da alma. Tais são as visões, as aparições, a dupla vista, os pressentimentos, os avisos íntimos, as vozes secretas, etc.
Ao relato dos fatos juntaremos a explicação, tal qual ressalta do conjunto dos princípios. A esse respeito faremos notar que esses princípios são decorrentes do ensino dado pelos espíritos e que faremos sempre abstração de nossas próprias ideias. Não se trata, pois, de uma teoria pessoal, mas da que nos foi comunicada e da qual seremos simples intérpretes.
Largo espaço será igualmente reservado às comunicações escritas ou verbais dos espíritos, desde que tenham um fim útil, assim como às evocações de personagens antigas ou atuais, conhecidas ou obscuras, sem desprezar as evocações íntimas que, muitas vezes, nem por isso são menos instrutivas. Numa palavra: abarcaremos todas as fases das manifestações materiais e inteligentes do mundo incorpóreo.
A Doutrina Espírita oferece-nos, enfim, a solução possível e racional de uma porção de fenômenos morais e antropológicos que testemunhamos diariamente e cuja explicação inutilmente buscaríamos em todas as doutrinas conhecidas. Nessa categoria colocaremos, por exemplo, a simultaneidade de pensamentos, as anomalias de certos caracteres, as simpatias e antipatias, os conhecimentos intuitivos, as aptidões, as propensões, os destinos que parecem marcas da fatalidade e, num quadro mais geral, o caráter distintivo dos povos, seu progresso ou sua degenerescência, etc.
À citação dos fatos juntaremos a pesquisa das causas que poderiam tê-los produzido. Da apreciação dos atos brotarão, naturalmente, ensinamentos úteis, quanto à linha de conduta mais conforme à sã moral.
Em suas instruções os espíritos superiores têm sempre o objetivo de despertar nos homens o amor do bem pela prática dos preceitos evangélicos, por isso mesmo traçam-nos o pensamento que deve presidir à redação desta coletânea.
Como se vê, nosso quadro compreende tudo quanto se liga ao conhecimento da parte metafísica do homem. Estudá-la-emos no seu estado presente e no futuro, pois estudar a natureza dos espíritos é estudar o homem, porque este um dia participará do mundo dos espíritos. Eis por que adicionamos ao título principal o subtítulo jornal de estudos psicológicos, a fim de dar a compreender toda a sua importância.
NOTA: Por mais abundantes que sejam nossas observações pessoais e as fontes onde as colhemos, nem dissimulamos as dificuldades da tarefa, nem nossa insuficiência. Para suplementá-la, contamos com o concurso benévolo de todos quantos se interessam por esses problemas. Seremos, pois, gratos pelas comunicações que nos forem transmitidas sobre os diversos assuntos de nossos estudos. Nesse propósito, chamamos a atenção para os dez pontos seguintes, sobre os quais nos poderão fornecer documentos:
1.º) Manifestações materiais ou inteligentes obtidas em reuniões a que estiveram presentes;
2.º) Fatos de lucidez sonambúlica e de êxtase;
3.º) Fatos de segunda vista, previsões, pressentimentos, etc.;
4.º) Fatos relativos ao poder oculto atribuído, com ou sem razão, a certas pessoas;
5.º) Lendas e crenças populares;
6.º) Fatos de visões e aparições;
7.º) Fenômenos psicológicos particulares que por vezes ocorrem no momento da morte;
8.º) Problemas morais e psicológicos a resolver;
9.º) Fatos morais, atos notáveis de devotamento e abnegação cuja propagação pode servir de exemplo útil;
10.º) Indicações de obras antigas ou modernas, francesas ou estrangeiras, nas quais se encontrem fatos relativos à manifestação de inteligências ocultas com a designação e, se possível, a citação das passagens. O mesmo no que concerne à opinião emitida sobre a existência dos espíritos e suas relações com os homens, por autores antigos ou modernos, cujo nome e saber lhes dão autoridade.
Só publicaremos o nome das pessoas que nos enviarem comunicações se recebermos formal autorização."
Enviado por Geraldo Lemos Neto | Vinha de Luz Editora | Antônio Peixoto | Imagem: http://iebmdij.blogspot.com.br/2013/04/allan-comenta-kardec-introducao-da.html
14/01/2015
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