Assim, nós, do aquém, queremos numa prece, a mais perfeita, agradecer o mundo de bênçãos que a antena psíquica de Chico Xavier nos legou e, que agora, em 2 de abril, completa 105 anos.
Ele foi um exemplo de amor, que soube vivenciar os valores do Evangelho de Jesus: humildade, caridade, comprometimento, solidariedade, ética e união.¹
Quiçá tivéssemos o dom da prece perfeita. Então, à semelhança dos apóstolos, pedimos ao divino Mestre a ajuda correta: “Senhor, ensina-nos a orar” (Lucas, 11: 1).2 E Jesus, o Cristo de Deus, nos ensina: “Orai desta maneira” (Mateus, 6: 9):²
Pai nosso, que estás nos céus,
santificado seja o Teu nome,
venha o Teu reino,
seja feita a Tua vontade,
na Terra, como no Céu.
O pão nosso de cada dia dá-nos hoje.
E perdoa-nos as nossas dívidas,
como também nós perdoamos aos nossos devedores.
E não nos submetas à tentação,
mas livra-nos do maligno [...] (Mateus, 6: 9 a 13).
Digitamos cada palavra dessa prece perfeita vibrando, cheios de amor, pelo nosso Chico Xavier. E, com certeza, chegamos a contento, pois ela é a mais perfeita, como nos ensina o codificador, Allan Kardec:
[...] De todas as preces, é a que eles [os espíritos] colocam em primeiro lugar, seja porque procede do próprio Jesus [...], seja porque pode suprir a todas conforme os pensamentos que se lhe conjuguem; é o mais perfeito modelo de concisão, verdadeira obra-prima de sublimidade na simplicidade. [.,..] ³
Inicialmente, queremos destacar a concisão dessa oração, que se distingue da maioria das preces judaicas da época. Lembramos ainda que o texto apresentado por Mateus traz uma invocação solene: “Pai nosso, que estás nos céus”, o qual corresponde plenamente ao uso da piedade judeu-palestinense. E, por fim, sublinhamos o pedido de perdão dos pecados (erros), como alertou o Dr. J. Jeremias, professor da Universidade de Göttingen, na Alemanha, em sua obra "O Pai-Nosso":
No fim da perícope, uma sentença de Jesus indica a disposição exigida para bem orar: somente tem direito de pedir o perdão divino, aquele que pessoalmente está pronto a perdoar.
O evangelista Lucas – pela mediunidade histórica e inspirativa – ainda consegue ser mais conciso. Acompanhemos, vibrando, em cada palavra, pelo nosso Chico Xavier:
Pai, santificado seja o Teu nome; venha o Teu reino; o pão nosso cotidiano dá-nos a cada dia; perdoa-nos os nossos pecados, pois também nós perdoamos aos nossos devedores; e não nos deixes cair na tentação. (Lucas, 11: 2 a 4.)
A redação de Lucas é mais curta. Seu texto tem como destaque a invocação inicial: “Pai”, ou, mais propriamente, “Pai querido”, em grego pater, em aramaico abba.
Raramente – comenta J. Jeremias (op. cit., p. 34), Deus é designado como pai no Antigo Testamento. Porém, este “abba” é ipsissima vox de Jesus, sua maneira original de falar. Um exemplo é a sua oração no Getsêmani:
"Abba! Ó Pai! Tudo é possível para Ti: afasta de mim este cálice; porém, não o que quero, mas o que Tu queres” (Marcos, 14: 36).
Paulo de Tarso também segue essa mesma tradição em Romanos (8: 15) e em Gálatas (4: 6). J. Jeremias (op. cit., p. 37) comenta de forma surpreendente:
“Abba” era o nome dado pela criança a seu pai. E o Talmud confirma: “Quando uma criança saboreia o trigo (isto é, quando é desmamada), aprende a dizer abba e imma (papai, mamãe). Abba era um termo infantil e familiar: ninguém ousaria dizer abba dirigindo-se a Deus! Jesus o fez sempre… Jesus dirige-se a Deus como uma criancinha a seu pai, com a mesma simplicidade íntima, o mesmo abandono confiante”.4
Essa forma de falar mostra um conhecimento único de Deus e encerra o essencial da mensagem de Jesus. E a nós – como filhos de Deus e discípulos de Jesus – dá-nos o direito de também nos dirigirmos ao Pai celeste com a confiança de um menino. O Cristo chega mesmo a afirmar que apenas esse relacionamento novo de criança para com o Pai poderá abrir a porta do reino dos Céus:
Em verdade vos digo que se não vos converterdes e não vos tornardes como as crianças, de modo algum entrareis no reino dos Céus. (Mateus, 18: 3.)
Chico Xavier foi um grande exemplo do se fazer criança, quando se autodenominava “cisco de Deus”, “besta cheia de pisaduras”, etc.5
Mas o leitor atento poderia indagar sobre a falta, nos textos de Mateus e Lucas, da doxologia: “pois a ti pertence o reino, o poder e a glória, por todos os séculos. Amém”. J. Jeremias (op. cit., p. 55) esclarece:
Seria, porém, grande equívoco deduzir daí que o Pai-nosso tenha sido recitado, em alguma época, sem uma conclusão em forma de louvor a Deus. No ambiente da Palestina seria completamente inconcebível que se terminasse uma oração com a palavra “tentação”. Ora, devemos esclarecer que era costume, no judaísmo, terminar muitas orações por um “selo”, isto é, por um breve louvor, cuja formulação era deixada à livre iniciativa de quem rezava.4
Então, é no Didaqué, um dos livros mais antigos do Cristianismo (escrito entre 70-120 d. C.), que pela primeira vez aparece esta famosa conclusão: “Porque teu é o poder e a glória para sempre” (8: 3).6
Outro mensageiro da luz, muito querido de Chico Xavier, foi Francisco de Assis (1181-1226 d. C.). Ele também faz uma releitura da oração ensinada por Jesus.7 Aliás, as famosas peregrinações das 15 horas dos sábados, quando se distribuíam pães e víveres aos irmãos mais necessitados, eram feitas pelo nosso Chico, “sempre recordando os exemplos de São Francisco”.8 Eis a versão inspiradíssima do santo de Assis,9 vibrando em especial para o amado médium de Pedro Leopoldo:
Ó santíssimo Pai nosso: Criador, Redentor, Salvador e Consolador; que estais nos céus, nos anjos e nos santos. Vós os iluminais para o conhecimento, porque vós, Senhor, sois a luz. Vós os inflamais para o amor, porque vós, Senhor, sois o amor. Vós habitais neles repletando-os para a vida beatífica, porque vós, Senhor, sois o sumo bem, o bem eterno, do qual procede todo bem e sem o qual nada pode ser bom;
santificado seja o vosso nome: reluza em nós o conhecimento de vós para podermos reconhecer a largura de vossos benefícios, o comprimento de vossas promessas, a altura de vossa majestade e a profundidade dos juízos;10 venha a nós o vosso reino para que reineis em nós por vossa graça e nos deixeis entrar no vosso reino, onde veremos a vós mesmo sem véu, teremos o amor perfeito a vós, a beatífica comunhão convosco, a fruição de vossa essência;
seja feita a vossa vontade, assim na Terra como no Céu, a fim de que vos amemos de todo o coração, pensando sempre em vós; de toda a alma, aspirando sempre a vós; de todo o nosso entendimento, ordenando todos os nossos desejos a vós e buscando em tudo a honra vossa; de todas as nossas forças, empenhando todas as virtudes e sentidos do corpo e da alma na obediência a vosso amor e em nada mais. E para amarmos o nosso próximo como a nós mesmos, atraindo, na medida de nossas forças, para o vosso amor todos os homens, alegrando-os pelo bem dos outros e pelo nosso próprio bem, compadecendo-nos deles em suas tribulações e jamais ofendendo a ninguém;
O pão nosso de cada dia: vosso dileto Filho Nosso Senhor Jesus Cristo,11 nos dai hoje, a fim de lembrar e reconhecer o amor que teve por nós bem como tudo o que por nós tem falado, operado e sofrido; perdoai-nos as nossas ofensas: por vossa inefável misericórdia e o inaudito sofrimento de vosso dileto Filho, Nosso Senhor Jesus Cristo, e pela poderosa intercessão da beatíssima Virgem Maria, bem como pelos méritos e súplicas de todos os vossos eleitos; assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido: e o que nós não perdoamos totalmente, fazei vós, ó Senhor, que o perdoemos plenamente, a fim de que possamos amar sinceramente os nossos inimigos e por eles intercedamos junto de vós, não retribuamos a ninguém o mal pelo mal e nos esforcemos por ser úteis a todos em vós; e não nos deixeis cair em tentação: oculta ou manifesta, impetuosa ou inesperada; mas livrai-nos do mal: passado, presente e futuro. Amém.
Por fim, poderíamos indagar: este é um artigo de prece-amor ou de pesquisa-instrução? E a resposta é óbvia e dentro das recomendações do próprio autor do “Pai-Nosso”, Jesus (...).
Penso que assim, o nosso querido homenageado, Chico Xavier, ficará mais feliz, pois, além de termos vibrado com intenso amor, a ele agradecidos, estudamos também a mensagem de vida, legada por Jesus para o nosso bem e salvação.
Jorge Damas Martins
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Referências:
1 Esses também são os valores da Federação Espírita Brasileira.
2 Todas as citações bíblicas foram retiradas da Bíblia de Jerusalém. São Paulo: Edições Paulinas, 2002.
3 KARDEC, Allan. O evangelho segundo o espiritismo. Trad. Guillon Ribeiro. 131. ed. 3. imp. (Edição Histórica.) Brasília: FEB, 2013. cap. 28, it. 2, p. 327; cap. 6, it. 5, p. 107, respectivamente.
4 O Pai-Nosso: a oração do Senhor. São Paulo: Edições Paulinas, 1976. p. 18-19, 34, 37 e 55, respectivamente.
5 MARTINS, Jorge Damas. Bezerra de Menezes e Chico Xavier: O médico e o médium. Rio de Janeiro: Ideia Jurídica. pt. 2, p. 81 e 118.
6 Padres apostólicos – Didaqué. 3. ed. São Paulo: Ed. Paulus, 2002. p. 353.
7 Chico Xavier recebeu mediunicamente duas releituras do Pai-Nosso: 1ª) Oração, do espírito José Silvério Horta. Ver XAVIER, Francisco C. Parnaso de além-túmulo. 19. ed. 2. reimp. Rio de Janeiro: FEB, 2010. p. 527. 2º) Ver MARTINS, Jorge Damas. Bezerra de Menezes e Chico Xavier: O médico e o médium. Rio de Janeiro: Ideia Jurídica. cap. Em oração a Jesus e a Maria, do espírito Bezerra de Menezes, p. 150-151.
8 XAVIER, Francisco C. (Org. Elias Barbosa.) Irmã Vera Cruz. Pelo espírito Vera Cruz. 2. ed. Araras (SP): IDE, 1980. p. 40.
9 São Francisco de Assis – Escritos e biografias de São Francisco de Assis. Petrópolis (RJ): Ed. Vozes, 1981. p. 100-101.
10 Confira a Carta aos Efésios, 3: 18.
11 Jesus disse: “Eu sou o pão da vida”. (João, 6:3 5.)