Cena do filme Chico Xavier
“Esta obra resume a jornada dos
40 primeiros anos do trabalho de mediunidade de Chico Xavier. Fala de
sua origem espiritual, opinião da imprensa. depoimentos, a sua
assistência, peregrinação e voluntariado.”
Por Elenilson Nascimento
Eu não tenho religião, não acredito em
discursos prontos de líderes religiosos e ainda acho que a Bíblia é uma
grande invencionice mas, mesmo assim, tenho muita simpatia pela Doutrina
Espírita e pela obra do Chico Xavier – obra esta que
comunga com coisas que eu sempre acreditei e que se conjuga não apenas
por se tratar do maior médium do país, e porque a sua trajetória se
confunde com os rumos do espiritismo brasileiro e ainda porque seus
livros psicografados se apresentam como testemunhos repletos de
evidências.
E este livro “Chico Xavier – 40 Anos no Mundo da Mediunidade”, de Roque Jacintho,
publicado no ano de 1967, uma edição comemorativa das quatro primeiras
décadas da iniciação do Chico nos serviços espirituais, é bem
interessante, apesar de não ter mostrado o lado enfadonho e chato da
vida do líder espírita. Confesso que logo no início da obra fiquei um
tanto decepcionado com a quantidade de termos científicos, dando a
impressão que a obra não foi escrita para leitores comuns e sim para
juristas, mas, devido às minhas frustradas tentativas de fazer cultos do
Evangelho no lar, das minhas decepções com relação ao líder espiritual
José Medrado e a total falta de união com relação aos demais
representantes do Movimento Espírita no Brasil, a minha peleja com a
leitura tornou-se menos cansativa por eu já ter algum conhecimento com
relação ao personagem principal.
O Chico Xavier (*não levem em conta o
péssimo filme homônimo) foi um autor de prodigiosa obra literária, que
ultrapassou mais de 400 livros psicografados nos seus setenta anos de
produção e contando com milhões de leitores pelo mundo. Na obra do
Jacintho, porém, o lugar de destaque absoluto deste líder espírita, em
nível de fabulação em torno de sua vida por parte de seus leitores,
equivale a verdadeiras aulas de evolução espiritual e de socialização,
apesar dos primeiros capítulos o autor perder muito tempo com
explanações de mapas existenciais. “Falsos profetas se levantarão, enganando, se possível, até os próprios escolhidos”, escreveu.
Capa do livro Chico Xavier – 40 Anos no mundo da mediunidade
Mas o ponto de inflexão deste livro,
onde o mito de Chico opera de forma bastante convincente, pertence ao
mesmo “texto” como camadas indissociáveis de uma construção narrativa
elaborada socialmente. O livro consegue levar o leitor menos crédulo
para além das fronteiras além-túmulo, citando outros famosos livros, “Parnaso de Além-túmulo” e “O Livro dos Espíritos”;
como também nos lembra de figuras importantes na realização do
Movimento Espírita-cristã, como João de Deus, o maravilhoso Humberto de
Campos (*estou começando a estudar as obras dele), Allan Kardec,
Emmanuel, André Luiz, Sócrates, Crisna, Buda, Confúcio, Lao-Tsé e do
próprio Cristo, ampliando nossos horizontes num degrau em que nos
encontramos.
Em qualquer parte da leitura de “Chico Xavier – 40 Anos…”
podemos observar que trata-se de um personagem cercado de uma aura
paradigmática, depositário e modelo biográfico de uma proposta religiosa
de alta ressonância na sociedade brasileira, além de ter cumprido um
papel central na criação de um espiritismo “à brasileira”.
O livro ainda faz questão de mostrar que
o maior protagonista da história do kardecismo no Brasil moderno teve
uma trajetória que ilustra os dilemas enfrentados por esta alternativa
religiosa ao longo do século XX, principalmente no que tange ao
sincretismo de sua proposta com a “cultura católica brasileira” e com
certo modelo de Estado-Nação.
O capítulo que relata a pendenga
jurídica entre a família do autor Humberto de Campos contra Chico
deveria ser estudado em todos os cursos de Direito – simplesmente
assustador! “Se é curioso estudar a história do livro e das épocas
em que, mais e mais, se desenvolveu o amor e o reconhecimento do homem
que com ele, não menos interessante é o estudo de sua destruição e
dispersão, do ódio que sofreu e da ira que desencadeou”, escreveu o autor.
Chico Xavier deve ter sido um espírita
bem modelar porque praticamente tudo em sua vida e obra dão testemunho
do sistema de valores do espiritismo kardecista, além de realizar, como
nenhum outro médium, o ideal de uma “interautoria” ou parceria autoral
psicógrafo versus espírito, uma espécie de renúncia a uma vida
ordinária, exemplificada pela própria biografia do médium.
As únicas coisas que eu não entendi na
obra foram: a afirmação de que a Bíblia é o mais precioso e completo
repositório de fatos espíritas e o porquê só espíritos de famosos eram
divulgados? Mas a obra de Roque Jacintho é um belo livro que deveria ser
reeditado com o máximo de urgência, como a tão falada Lei da
Reencarnação, Recomendo!
Elenilson
Nascimento – dentre outras coisas – é escritor, colaborador do Cabine
Cultural e possui a página Literatura Clandestina.