Dra. Marlene Rossi Severino Nobre é médica, presidente da AME-Associação Médico Espírita do Brasil e também da AME Internacional. É a diretora do jornal Folha Espírita, de São Paulo, capital. Dra. Marlene é viúva do grande jornalista Dr. José Freitas Nobre que, como Deputado Federal, foi um dos mais respeitados parlamentares do país. Com larga folha de trabalho, Dra, Marlene continua firme e forte na sua faina de divulgar a Doutrina Espírita pelo Brasil e pelo mundo. É, atualmente, um dos mais destacados nomes do movimento espírita internacional. ISMAEL GOBBO - Caríssima Dra. Marlene, poderia nos fazer sua autoapresentação? MARLENE NOBRE - Sou Marlene Rossi Severino Nobre. Nasci em Severínia, interior do Estado de São Paulo, em 1937, filha de pais espíritas - Pedro Severino Júnior e Ida Rossi Severino - desde solteiros já comprometidos com a causa espírita. Eles não se casaram na igreja católica, reuniram os amigos no centro espírita, no dia das bodas, para os abraços de confraternização. Meu pai era de Monte Azul Paulista e minha mãe, de Monte Verde Paulista, ambos muito ligados a Cairbar Schutel – o baluarte do Espiritismo da cidade de Matão, que tanta contribuição deu e continua dando à divulgação, ao estudo e à vivência da Doutrina em nosso país e no mundo. E, hoje, segundo Chico Xavier, no outro plano da vida, é o responsável pelo livro espírita no Brasil. Minha mãe foi, aos 19 anos, ainda solteira, a mais jovem presidente de Centro Espírita do Brasil em uma casa construída em Monte Verde pelo meu avô – Aristodemo Rossi. Meu tio Leonardo Severino, irmão de meu pai, trabalhou a vida toda em favor das obras de Matão, viajando para conseguir assinaturas do jornal O Clarim e da Revista Internacional do Espiritismo, ao lado de Giacomo Di Bernardo e de outros pioneiros do interior paulista. Ainda segundo nosso amado Chico, eu me comunicava com o Sr. Schutel em Matão, antes da minha reencarnação, o que se concretizou seis meses antes da desencarnação do nosso amado bandeirante do Espiritismo. Casei-me com Freitas Nobre em maio de 1964. Tivemos dois filhos: Marcos e Marcelo. Marcos é professor de Filosofia e Ciência Política na Unicamp e Marcelo é advogado, fazendo parte, no momento, do CNJ - Conselho Nacional de Justiça. Tenho uma filha pelo coração, Marília Oliveira Chaves, que está com 21 anos e cursa Direito. Marcelo é casado com Mônica Autran Campos Machado, minha norinha, que é juíza federal. Tenho dois netinhos – Ana Luísa e João Pedro – duas estrelas a iluminar e a aquecer nossas vidas. IG - Qual a sua trajetória acadêmica e profissional? MN - Sou de uma época em que o vestibular de Medicina ainda não era unificado, por isso, tendo ficado entre os dez excedentes do vestibular de Medicina da Faculdade de Pinheiros (USP), fui para Ribeirão Preto na esperança de tentar a segunda chamada por lá. Mas em 1957 não houve, porque as vagas tinham sido todas preenchidas na mesma época em que prestei vestibular em São Paulo. Eu já me preparava para voltar para minha casa e fazer Biologia na USP, curso para o qual eu também havia feito vestibular e passado, quando minha amiga, Maria Emília Barboni, de Ribeirão, me deu uma sugestão que mudaria minha vida. Com bastante ênfase, ela disse que eu deveria prestar vestibular de Medicina em Uberaba, porque o curso médico era o meu ideal e não o de Biologia. Para isso, eu não deveria perder tempo, porque os exames estavam para ocorrer por aqueles dias. Se Medicina era o meu ideal – disse ela – eu deveria tentar. E foi de uma bondade inesquecível, facilitando-me em tudo: passagem de ônibus, auxílio financeiro para a pensão onde eu deveria ficar em Uberaba, além do suporte espiritual, que só as grandes almas oferecem aos amigos. Foi assim que iniciei o meu curso em Uberaba, no final de fevereiro de 1957. Terminei -o em dezembro de 1962, e depois fixei residência junto aos meus pais, na capital paulista. Fiquei de 1963 a 1967 como estagiária do Prof. Dr. José Medina, no Departamento de Ginecologia e Obstetrícia do Hospital das Clínicas de São Paulo. Depois, em 1967, estagiei nos hospitais Broca e Boucicault, ambos em Paris, por indicação do nosso chefe e instrutor do HC. Depois, a partir de 1968, fui para o Instituto de Previdência (Inamps), onde trabalhei cerca de 30 anos na especialidade para a qual fui mais preparada: o serviço de prevenção do câncer em senhoras. Estou aposentada desde 1994, porque antes da tarefa médica eu trabalhei seis anos como funcionária do Colégio Paes Leme, em São Paulo, de 1950 a 1956. Assumi em 1995 a presidência da Associação Médico-Espírita do Brasil, acompanhando-a desde a sua fundação até os dias de hoje. Também tomei parte na primeira diretoria da Associação Médico-Espírita de São Paulo, fundada em 30 de março de 1968, da qual originaram-se as outras AMEs, inclusive a brasileira. IG - Pelo que depreendemos da resposta anterior, a senhora é uma espírita de berço. MN - Sim, sou espírita desde o berço. Meus pais tiveram um lar muito harmonioso. Sobretudo eles nos ensinaram o amor ao Mestre Jesus e a Kardec. Não tinham ambição material. Eles nos criaram dentro dos padrões da simplicidade e sempre diziam que o único tesouro que deixariam para os oito filhos era o Evangelho de nosso Senhor Jesus Cristo, interpretado por Allan Kardec. Uma grande herança também que recebemos foi a de valorizar as amizades. Por décadas a fio, meus pais foram fiéis aos amigos, ensinando-nos que o sentimento de amor deve sobrepujar quaisquer outros interesses. Certa vez, Chico me disse que se eu fracassasse eu não teria perdão, porque tive pais espíritas maravilhosos. Cada vez mais dou razão ao Chico. IG - Como foi o encontro com Freitas Nobre? MN - Encontrei Freitas Nobre em 1962, em Uberaba, nos trabalhos da Comunhão Espírita Cristã, quando ele realizou um grande sonho: conhecer Chico Xavier. Isso foi possível graças ao incentivo de nosso grande amigo, Spartaco Ghilardi, do Grupo Espírita Batuíra de São Paulo, que organizava caravanas periódicas para visitar Chico em Uberaba. Nessa mesma caravana, de maio de 1962, estavam, entre outros, o Dr. Luiz Monteiro de Barros e Apolo Oliva Filho, amigos de longa data. Na sessão pública da qual tomaram parte, Emmanuel deu uma mensagem especial chamada "Os pacificadores" que faria parte do livro de comemoração dos 100 anos de "O Evangelho segundo o Espiritismo". Ao final dos trabalhos, Chico nos disse que a mensagem era dirigida ao Freitas, e complementou dizendo que o Brasil penderia fortemente para a esquerda, depois para a direita, e que, finalmente, iria para o centro, afirmando também que o Dr. Nobre – era assim que Chico chamava o Freitas – desempenharia um papel muito importante na pacificação do nosso país. Acredito, sinceramente, que ele tenha contribuído para isso. Em 1962, Freitas era vice-prefeito de São Paulo, governando a cidade ao lado de Prestes Maia. Antes ele havia sido vereador da capital por várias legislaturas. Casamo-nos em maio de 1964, logo após Freitas ter deixado o cargo, já sob o jugo militar. A partir de então foram muitos os sobressaltos, sempre na expectativa da cassação dos seus direitos políticos, o que nunca se concretizou, acreditamos, por interferência do plano espiritual. Desde que conheceu Chico, toda a vida política do Freitas foi direcionada pelas cartas do Dr. Bezerra de Menezes, através do médium. Por orientação dele, exilou-se voluntariamente em Paris, de novembro de 1966 a novembro de 1967, para fazer curso de pós-graduação em Comunicação na Sorbonne. Em 1968, em campanha de somente 40 dias, Freitas foi eleito, com enorme votação, deputado federal, tendo desenvolvido um trabalho exemplar ao longo de quatro legislaturas seguidas. Foi muito importante a sua contribuição para o MDB dos autênticos e para a redemocratização do país. IG - Como foi a sua experiência como esposa do político Freitas Nobre, de trajetória brilhante em São Paulo e Brasília? MN - Felizmente, sempre me mantive na retaguarda. Nunca participei da vida social e política de Brasília. Em 16 anos de vida parlamentar, devo ter ido à capital do país por duas vezes somente. Poucos da esfera política me conheceram ou me conhecem. Freitas nunca desejou que nos mudássemos de São Paulo e isso veio de encontro ao meu ideal de servir à causa espírita, dentro do pouco que tenho para oferecer. Ele passava os fins de semana conosco, permanecendo mais tempo por aqui nas férias do Parlamento. Em 1963, iniciamos as tarefas de assistência aos mais carentes em Santo André e São Caetano do Sul e, em 1966, em Diadema. Conforme instrução do Chico, fundamos o Grupo Espírita Cairbar Schutel. Freitas participou conosco dos primeiros tempos, logo depois, a partir de 1968, ele tinha que estar em Brasília. IG - Embora saibamos ser muito extensa, poderia sintetizar sua participação no movimento espírita? MN - O culto do Evangelho em nossa casa, feito com tanta unção por meus pais, é uma referência inesquecível na minha vida, uma vigorosa viga de sustentação de minha alma carente de Espiritualidade. Também foi um marco fundamental em minha trajetória de vida o Grupo Espírita Conceição-Carolina, do qual participei na minha adolescência na casa de meu avô Aristodemo Rossi, à Rua Bela Cintra, em São Paulo, dirigido por meu pai, Pedro Severino Jr., com a participação assídua do meu irmão Paulo Rossi Severino e de alguns conhecidos e parentes, e que depois se transformaria no Grupo Espírita Cairbar Schutel. De 1957 a 1962, enquanto fiz Medicina na Faculdade Federal do Triângulo Mineiro, estive diretamente ligada ao movimento espírita em Uberaba, particularmente aos trabalhos da Comunhão Espírita Cristã (CEC), junto ao nosso Chico. Além das tarefas nas sessões públicas da CEC, dei aulas de moral cristã na evangelização infantil do Centro Espírita Uberabense e fiz dois programas de rádio. De 1963 a 1991, estive mais ligada às tarefas do Grupo Espírita Cairbar Schutel, tanto às doutrinárias quanto às assistenciais, participando principalmente, a partir de 1977, da Creche Lar do Alvorecer. Começamos com 30 crianças e hoje temos 230. Quase não fiz palestras nesse período, a não ser em nosso próprio Grupo, em algumas casas espíritas dirigidas por amigos e conhecidos, e em simpósios da AME-SP. Em abril de 1974, por incentivo do nosso Chico, meu marido fundou o jornal Folha Espírita, com o qual colaborei desde as primeiras horas. Em 1968, 30 de março, tivemos um marco importante com a fundação da Associação Médico-Espírita de São Paulo, da qual fui a primeira secretária. Muitos colegas, dentre os quais Luiz Monteiro de Barros, Adroaldo Modesto Gil, Antonio Ferreira Filho, Eurico Branco Ribeiro, Maria Júlia Prieto Peres, Alberto Lyra, Miguel e Luiz Dorgan, uniram-se sob a inspiração de Batuíra e Bezerra de Menezes, através do médium Spartaco Ghilardi, para lançar as bases do movimento médico-espírita no Brasil. Com a desencarnação de meu marido, a 19 de novembro de 1990, fui chamada, cerca de quinze dias depois, por Dr. Bezerra de Menezes para a tarefa de aglutinar colegas e formar a AME-Brasil. A partir daí, começou uma outra etapa na minha vida, porque fiquei mais ligada ao movimento médico-espírita, sem, no entanto, abandonar nenhuma das tarefas a que estava anteriormente vinculada. IG - Como surgiram as AME’s no Brasil e no exterior? MN - Em fevereiro de 1990, assumi a presidência da Associação Médico-Espírita de São Paulo, que atravessava naquele momento um período de muita turbulência espiritual. Chico Xavier veio em meu auxílio, por ocasião de uma das minhas visitas a Uberaba, dizendo-me para eu ter paciência, que o Dr. Bezerra iria me ajudar, porque uma falange negativa havia se postado contra a AME, tentando impedi-la de realizar importante tarefa que lhe estava reservada dentro do movimento espírita. No começo de 1990, dos nove elementos da diretoria, ficamos reduzidos a apenas dois e a frequência não passava de meia dúzia de colegas, se tanto. Chico foi nosso grande sustentáculo nessa fase difícil. No final de 1990, como já me referi, dia 19 de novembro, meu marido partiu, aos 68 anos, vítima de câncer. No início de dezembro, Dr. Bezerra de Menezes conclamou-me para a tarefa mais ampla a que Chico se referira e que só a partir de então tomei conhecimento: a de chamar os colegas para a fundação da Associação Brasileira, que aglutinaria todas as AMEs. E que eu deveria me empenhar para a fundação das AMEs nos Estados, porque era chegada a hora. Disse-me o nosso patrono que a Associação já estava formada no coração de Jesus e que nós precisávamos materializá-la na Terra. E assim foi feito. Iniciamos, em 1991, com vistas à concretização desse projeto, o primeiro Congresso da AME-São Paulo, no Anhembi, conclamando os colegas de todos os Estados para a fundação das AMEs. No Terceiro Congresso, em 1995, no dia 17 de junho, com nove AMEs já formadas, fundamos a AME-Brasil. Estamos completando, em 2010, 15 anos de fundação com quarenta AMEs em funcionamento. Além do nosso site (www.amebrasil.org.br), trabalhamos agora em nossa revista virtual, que será lançada em comemoração aos 15 anos. Vários livros foram publicados e outros estão sendo planejados para publicação em breve. A cada dois anos temos o Mednesp – o congresso nacional que congrega todas as AMEs. O de 2011 será em Belo Horizonte, no feriado de Corpus Christi. Em junho de 1999, com representantes de seis países – Argentina, Brasil, Colômbia, Guatemala, Panamá e Portugal – fundamos a AME-Internacional. Desde 2001 eventos são realizados com a participação dos médicos da AME que integram os diferentes países. Hoje, além das AMEs fundadoras, temos AME-EUA, AME-Cuba, AME-Suíça. E outras mais em vias de fundação. IG - No Brasil e no exterior como vão as atividades dessas associações?
MN - As AMEs do exterior têm procurado realizar eventos e manter sites. No Brasil, cada AME tem sua característica própria e se dedica com mais afinco a determinadas tarefas. Mas todas elas são dinâmicas e têm produzido muitos eventos, cursos, seminários, livros, visando difundir o paradigma médico-espírita. Em alguns Estados, há também parcerias muito interessantes entre os centros espíritas e as AMEs, com vistas às pesquisas da Terapêutica Complementar Espírita e também em tarefas de auxílio aos irmãos carentes. IG - O trabalho tem sido reconhecido pela comunidade científica? MN - Já avançamos muito, mas a mudança de paradigma se faz de maneira lenta, gradual. Ela é, no entanto, inevitável. A construção da espiritualidade na Medicina veio para ficar. Aos poucos, os preconceitos vão sendo vencidos e os novos conceitos passam a ser incorporados pela maioria das instituições de saúde, beneficiando, em muito, a vida no planeta. Mas é preciso paciência. E, sobretudo, tolerância e compreensão, porque, como dizia Einstein, é mais fácil quebrar um átomo do que um preconceito. IG - De que forma tem-se organizado para dar conta de tantas atividades? MN - Tenho dois filhos maravilhosos, que respeitam o meu ideal de vida. E o mesmo posso dizer da minha norinha e dos meus netos. O nosso entendimento familiar me permite, hoje, ampla liberdade de agir. Aliás, sempre usufruí de liberdade, desde que meu marido estava entre nós, mas com a sua desencarnação, em 1990, e a emancipação de meus filhos, é natural que eu tenha muito mais tempo hoje para dedicar-me ao que considero meu ideal de vida. De 1963 a 1990, dediquei-me inteiramente ao exercício da Medicina, à minha família e às atividades do Grupo Espírita Cairbar Schutel (GECS), tanto em Diadema quanto em São Paulo. Nesse mesmo período, estive envolvida com as tarefas da Associação Médico-Espírita de São Paulo e as da Folha Espírita, mas nessas duas instituições, até 1990, minhas obrigações eram menores. A partir da desencarnação do meu marido, em 1990, passei a ser inteiramente responsável pela Folha Espírita, até que em 2004 um grupo de companheiros do GECS, de grande garra e competência, assumiu comigo o ideal do nosso jornal. Também foi a partir de 1990 que fui chamada pela Espiritualidade, em particular pelo Dr. Bezerra de Menezes, para a formação da AME-Brasil, o que veio a se tornar realidade em 1995. Em 2000, o Dr. Sérgio Felipe de Oliveira assumiu a AME-São Paulo e, em 2006, foi a vez do colega Rodrigo Bassi, que a tem dirigido com grande competência desde então. Tudo se tornou bem mais amplo para mim a partir de 1999 com a fundação da AME-Internacional e as idas freqüentes ao exterior, desde 2.001. Tento me organizar para prosseguir com as tarefas do GECS, do Lar do Alvorecer, da Folha Espírita, da AME-Brasil e Internacional. E também cumprir a minha parte nos programas da rádio Boa Nova – Diálogos médicos – e da TV, Portal de luz. Como é natural, só posso dirigir essas instituições com a contribuição da comunicação cibernética. Tenho de dar conta de dezenas de e-mails por dia, entrevistas, gravações semanais, e tudo isso costurado com as minhas frequentes viagens de divulgação do ideal médico-espírita. Para isso, não tiro férias, trabalho muito nos feriados e raramente tenho outra atividade que não seja a doutrinária. Não creio, no entanto, que esteja fazendo algo que me distinga dos demais companheiros de ideal espírita, sinceramente, acho que faço pouco. Deveria me empenhar mais. Sempre gostei de trabalhar e agora me sinto muito feliz, porque estou ligada ao que realmente gosto de fazer. IG - Como tem sido a aceitação do trabalho da AME no exterior? MN - Creio que a linguagem médico-espírita está mais voltada ao braço científico da Doutrina, por isso tem sido bem aceita por nossos irmãos do exterior. Todos nós sabemos a dificuldade que é divulgar o Espiritismo em outros países, e isso se dá principalmente porque não há aceitação do movimento da forma como é organizado no Brasil. Temos de compreender que são culturas diferentes. Os europeus, por exemplo, têm desgostos profundos com seitas e religiões, por isso são arredios a quaisquer apelos nesse sentido. E, infelizmente, incluíram também nessa rejeição as lições do Cristo, daí a dificuldade de aceitar o modo brasileiro de viver o Espiritismo. Eles não gostam de pregação no velho estilo, daquele que lhes pareçam lavagem cerebral, imposição de ideias, sem discussão. O modo como os médicos das AMEs apresentam as palestras tem agradado, porque, primeiramente, nós levamos a argumentação científica, chamando à razão, e depois tiramos a conclusão religiosa. Há também um gosto apurado para pesquisas e essas são muito diferentes das que foram realizadas no século XIX. E é justamente nelas que as nossas AMES têm procurado se esmerar. Nós temos de compreender que a cultura brasileira não é assimilada por eles, é muito diferente. Se levarmos isso em consideração, o sucesso da Doutrina será bem maior, porque a fé raciocinada é algo imperativo para as outras culturas. E nós devemos fazer de tudo para respeitá-las. IG - Quais as atividades programadas para 2010? MN - Iniciamos com a comemoração dos 100 anos de Chico, em Lisboa, no dia 2 de abril, em parceria com o Grupo Espírita Batuíra, de Algés. Dias 29 e 30 de maio teremos as V Jornadas de Medicina e Espiritualidade em Lisboa, nos dias 5 e 6 de junho o 3º Congresso Francofônico em Liège, Bélgica, e nos dias 11,12, 13 de junho o 3º Congresso de Medicina e Espiritualidade dos EUA, em Washington. No segundo semestre, 29 e 30/10, em Amsterdam, I Congresso de Medicina e Espiritualidade da Holanda, dias 6 e 7 de novembro, o III Congresso de Medicina e Espiritualidade da Suíça, e dias 13 e 14 de novembro, em Bonn, teremos o III Congresso Alemão. IG - E o dia-dia da Sra. na casa espírita? MN - Sempre que estou em São Paulo procuro estar presente às nossas atividades no Grupo Espírita Cairbar Schutel. Faço atendimento fraterno às segundas-feiras, breve explanação de textos de "O Evangelho segundo o Espiritismo"e de "O Livro dos Espíritos", como aprendi com o Chico, em Uberaba. Há também nesse dia o trabalho de psicografia. Às terças-feiras, temos cursos, às quartas-feiras, desobsessão, e às quintas, cursos. Outros irmãos e irmãs de ideal auxiliam também com outras atividades nos mesmos dias e nos demais dias da semana. Só não temos tarefas na casa aos domingos. Neste ano, completo 50 anos de exercício das faculdades mediúnicas de psicofonia e psicografia, mas na minha cabeça parece que iniciei ontem! IG - Poderia nos falar de sua convivência com Chico Xavier? MN - Conheci Chico em outubro de 1958, às vésperas da sua mudança para Uberaba, o que veio a ocorrer em janeiro de 1959. Ele pediu ao meu colega de faculdade, Waldo Vieira, que me levasse até ele, porque precisava conversar comigo. Durante a entrevista, como não o conhecia, apenas havia lido suas obras, fiquei muito admirada com o convite que me fez, o de trabalhar com ele nas sessões públicas da Comunhão Espírita Cristã, a partir de janeiro, quando ele já estivesse instalado definitivamente em Uberaba. E foi o que aconteceu. Durante cerca de quatro anos, de janeiro de 1959 a dezembro de 1962, trabalhei com ele, dando minha pequena parcela de contribuição na interpretação dos textos de "O Livro dos Espíritos" e de "O Evangelho segundo o Espiritismo", obras que eram estudadas nos dias de sessão pública. Nesse encontro, em 1958, ele me deu detalhes de um trabalho assistencial que fazíamos, às quartas-feiras, nos arredores do bairro da Abadia, em Uberaba. Éramos um pequeno grupo – Ligia Alonso Andrade, “seu” Lázaro, de saudosa memória, que segurava o lampião no ombro para nos iluminar, porque na parte do bairro que visitávamos não havia luz elétrica, e mais um ou dois companheiros esporádicos. Como não conhecia bem de perto a mediunidade de Chico, fiquei espantada com os detalhes que ele me deu da nossa peregrinação das quartas-feiras. Ele só podia ter acompanhado em espírito para saber de tanta coisa. Mesmo tendo me mudado para São Paulo, em 1963, nossa amizade permaneceu sempre a mesma, até a sua desencarnação, em 2002. Como somos imortais, com certeza perdurará por toda a eternidade. Guardo desse período da minha vida as mais gratas lembranças. Fui profundamente marcada por sua bondade, por sua humildade genuína. Por isso mesmo reconheço a enorme distância que nos separa do ponto de vista espiritual e a grande responsabilidade que assumi por ter trabalhado com ele e tomado conhecimento de sua obra.
IG - Qual a dimensão que enxerga na obra psicográfica de Chico Xavier no contexto da Doutrina Espírita? MN - A produção psicográfica de Chico Xavier ampliou os ensinamentos de Allan Kardec, acrescentando as revelações que não poderiam ser feitas no século XIX. Com Emmanuel, nós temos os desdobramentos das lições abordadas pelo Mestre Jesus e seus discípulos, comentadas pelo Codificador no importante livro de sua autoria - "O Evangelho segundo o Espiritismo" -, obra monumental que se constitui em uma estaca profunda na construção do edifício do reino dos céus na Terra. Como Emmanuel fez parte da plêiade de espíritos que trabalhou à época de Kardec, ele continuou no século XX a analisar os ensinamentos evangélicos e trouxe também algo muito importante - revelações no campo da ciência. Apenas para citar veja-se o quanto há de ciência nos livros "Pensamento e vida" e "A caminho da luz". André Luiz devassou o mundo espiritual. Trouxe os desdobramentos já antevistos por Kardec no livro "O Céu e o Inferno" e na coleção da Revista Espírita com os inúmeros depoimentos de desencarnados, que ele colecionou em sua pesquisa criteriosa, aplicada no século XIX. Junto com as informações sobre a vida no além, André Luiz trouxe também as inúmeras revelações científicas que estão sendo comprovadas depois de décadas de informação. Os livros de sua coletânea trazem revelações científicas importantes quanto à natureza da luz e de sua participação na formação dos corpos físicos e sutis; informa sobre o funcionamento das células e dentro delas o papel das mitocôndrias; do mesmo modo expõe o papel neuroendócrino da glândula pineal; traz indicações importantes quanto ao funcionamento do nosso cérebro; desvenda a ação da mente – pensamentos e sentimentos – sobre o nosso organismo; o modo como a mente pode atuar sobre o genoma e modificar a conta do nosso destino para o bem ou para o mal; elucida a evolução do ser humano em dois mundos – o material e o espiritual – ao longo de bilhões de anos, etc., etc. A revelação espiritual tanto na obra de Kardec quanto na de Chico Xavier – Emmanuel é dedicada ao ser humano integral. Em ambas, a ciência vem imbricada à fé. Não há como separar. Assim, encontramos as revelações científicas nas obras de André Luiz, integradas, perfeitamente, às descrições das paisagens e vivências no mundo espiritual. Há muitas revelações científicas a serem estudadas nessa obra magnífica. Muitas delas feitas há 50 ou 60 anos, mas que somente agora a ciência está comprovando, através de pesquisas. E há muitas mais a serem constatadas, conforme vem investigando os membros das AMEs do Brasil. IG - A AME tem alguma programação alusiva à comemoração do centenário de nascimento de Chico Xavier? MN - Já tivemos a primeira comemoração nos dias 2 e 3 de abril, em Lisboa, dois dias inteiramente dedicados às lembranças de Chico e de Isabel de Aragão, sua protetora. O programa Portal de luz, nas quatro edições de abril, também foi inteiramente dedicado a Chico. O mesmo fizemos – Dr. Marco Antonio Palmieri e eu mesma - nos programas da Rádio Boa Nova – Diálogos médicos, durante o mês de abril. O III Congresso de Medicina e Espiritualidade de Alagoas, que se realizará em Maceió, de 14 a 16 de maio, sob a direção de Ricardo Santos, nosso colega, presidente da AME-Alagoas, será inteiramente dedicado ao centenário de nascimento de Chico Xavier. Assim também, teremos em São Paulo, nos dias 4 e 5 de dezembro, as Jornadas de Medicina e Espiritualidade da AME-São Paulo, em homenagem ao querido Chico. IG - Algo mais que queira acrescentar? MN - Gostaria de dizer que relutei muito em abrir o coração e responder tantas perguntas sobre mim mesma, porque estou muito longe de merecer o carinho e a confiança dos amigos da seara espírita. Somente me decidi quando me fixei no título da entrevista: "trabalhador espírita". Sim, isso eu quero ser. Não vejo em mim nenhum mérito, mas há algo que eu luto por alcançar: ser servidora do Mestre Jesus e de Kardec, dentro do pouco que posso oferecer. Agradeço a paciência dos que leram os meus singelos arrazoados até aqui. Que Jesus, nosso Mestre de amor e bondade a todos nos ilumine e abençoe.
Evento comemorativo aos 100 anos de Chico Xavier em Lisboa, Portugal, no dia 2 de abri de 2010
Enviado por Geraldo Lemos Neto | Vinha de Luz - Serviço Editorial | Ismael Gobbo
19/04/2010
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