Ante
as portas livres
Ante
as portas livres de acesso ao trabalho cristão e ao conhecimento salutar que
André Luiz vai revelando, recordamos prazerosamente a antiga lenda egípcia do
peixinho vermelho.
LENDA EGÍPCIA – PEIXINHO VERMELHO
I – O LAGO
No centro de formoso jardim, havia
grande lago, adornado de ladrilhos azul-turquesa.
Alimentado por
diminuto canal de pedra, escoava suas águas, do outro lado, através de grade
muito estreita.
II - OS HABITANTES DO LAGO
Nesse reduto acolhedor, vivia toda uma
comunidade de peixes, a se refestelarem, nédios e satisfeitos, em complicadas
locas, frescas e sombrias. Elegeram um dos concidadãos de barbatanas para os
encargos de rei, e ali viviam, plenamente despreocupados, entre a gula e a
preguiça.
III – UM HABITANTE MENOSPREZADO
Junto deles, porém, havia um peixinho
vermelho, menosprezado de todos.
Não conseguia pescar
a mais leve larva, nem refugiar-se nos nichos barrentos.
Os outros, vorazes e
gordalhudos, arrebatavam para si todas as formas larvárias e ocupavam,
displicentes, todos os lugares consagrados ao descanso.
O peixinho vermelho
que nadasse e sofresse. Por isso mesmo era visto em correria constante, perseguido
pela canícula ou atormentado de fome.
IV – ESTUDO E MEDITAÇÃO
Não encontrando pouso no vastíssimo
domicílio, o pobrezinho não dispunha de tempo para muito lazer e começou a
estudar com bastante interesse.
Fez o inventário de
todos os ladrilhos que enfeitavam as bordas do poço, arrolou todos os buracos
nele existentes e sabia, com precisão, onde se reuniria maior massa de lama por
ocasião de aguaceiros.
V – A IMPORTANTE DECISÃO
Depois de muito tempo, à custa de longas
perquirições, encontrou a grade do escoadouro.
À frente da
imprevista oportunidade de aventura benéfica, refletiu consigo:
- “Não será melhor pesquisar a vida e
conhecer outros rumos?”
Optou pela mudança.
VI – O SACRIFÍCIO
Apesar de macérrimo pela abstenção
completa de qualquer conforto, perdeu várias escamas, com grande sofrimento, a
fim de atravessar a passagem estreitíssima.
VII – A VIAGEM LIBERTADORA
Pronunciando votos
renovadores, avançou, otimista, pelo rego d’água, encantado com as novas
paisagens, ricas de flores e sol que o defrontavam, e seguiu, embriagado de
esperança...
VIII – NOVOS CONHECIMENTOS
Em breve, alcançou grande rio e fez
inúmeros conhecimentos.
Encontrou peixes de
muitas famílias diferentes, que com ele simpatizaram, instruindo-o quanto aos percalços
da marcha e descortinando-lhe mais fácil roteiro.
Embevecido,
contemplou nas margens homens e animais, embarcações e pontes, palácios e veículos,
cabanas e arvoredo.
IX – OS BENEFÍCIOS DA VIDA SIMPLES
Habituado com o
pouco, vivia com extrema simplicidade, jamais perdendo a leveza e a agilidade
naturais.
X – EMBEVECIDO PELA BELEZA DA NOVA
VIDA...
Conseguiu, desse
modo, atingir o oceano, ébrio de novidade e sedento de estudo.
De início, porém, fascinado pela paixão de
observar, aproximou-se de uma baleia para quem toda a água do lago em que
vivera não seria mais que diminuta ração; impressionado com o espetáculo,
abeirou-se dela mais que devia e foi tragado com os elementos que lhe
constituíam a primeira refeição diária.
XI – O VALOR DA PRECE
Em apuros, o peixinho aflito orou ao Deus dos Peixes, rogando
proteção no bojo do monstro e, não obstante as trevas em que pedia salvamento,
sua prece foi ouvida, porque o valente cetáceo começou a soluçar e vomitou,
restituindo-o às correntes marinhas.
O pequeno viajante, agradecido e feliz,
procurou companhias simpáticas e aprendeu a evitar os perigos e tentações.
XII – INFINITAS RIQUEZAS DA VIDA
Plenamente transformado em suas concepções do mundo, passou a
reparar as infinitas riquezas da vida. Encontrou plantas luminosas, animais
estranhos, estrelas móveis e flores diferentes no seio das águas. Sobretudo,
descobriu a existência de muitos peixinhos, estudiosos e delgados tanto quanto
ele, junto dos quais se sentia maravilhosamente feliz.
XIII – A NOVA MORADIA
Vivia, agora, sorridente e calmo, no Palácio de Coral que
elegera, com centenas de amigos, para residência ditosa, quando, ao se referir
ao seu começo laborioso, veio a saber que somente no mar as criaturas aquáticas
dispunham de mais sólida garantia, de vez que, quando o estio se fizesse mais
arrasador, as águas de outra altitude continuariam a correr para o oceano.
XIV – O REGRESSO SALVACIONISTA
O peixinho pensou, pensou... e sentido
imensa compaixão daqueles com quem convivera na infância, deliberou
consagrar-se à obra do progresso e salvação deles.
Não
seria justo regressar e anunciar-lhes a verdade? Não seria nobre ampará-los,
prestando-lhes a tempo valiosas informações?
Não hesitou.
Fortalecido pela generosidade de irmãos
benfeitores que com ele viviam no Palácio de Coral, empreendeu comprida viagem
de volta.
Tornou ao rio, dirigiu-se aos regatos e dos regatos se encaminhou
para os canaizinhos que o conduziram ao primitivo lar.
XV – NOVAMENTE JUNTO AOS VELHOS
COMPANHEIROS
Esbelto e satisfeito como sempre, pela vida de estudo e serviço
a que se devotava, varou a grade e procurou, ansiosamente, os velhos
companheiros.
Estimulado pela proeza de amor que
efetuava, supôs que o seu regresso causasse surpresa e entusiasmo gerais.
Certo, a coletividade inteira lhe celebraria o feito, mas depressa verificou
que ninguém se mexia.
XVI – A GRANDE DECEPÇÃO
Todos peixes continuavam pesados e ociosos, repimpados nos mesmos
ninhos lodacentos, protegido por flores de lótus, de onde saíam apenas para
disputar larvas, moscas ou minhocas desprezíveis.
Gritou que voltara a casa, mas não houve
quem lhe prestasse atenção, porquanto ninguém, ali, havia dado pela ausência
dele.
XVII – AUDIÊNCIA COM O REI PARA A
SALVAÇÃO
Ridiculizado, procurou, então, o rei de guelras enormes e
comunicou-lhe a reveladora aventura.
O soberano, algo entorpecido pela mania
de grandeza, reuniu o povo e permitiu que o mensageiro se explicasse.
XVIII – A MENSAGEM SALVADORA
O benfeitor desprezado, valendo-se do ensejo, esclarece, com
ênfase, que havia outro mundo líquido, glorioso e sem fim. Aquele poço era uma
insignificância que podia desaparecer de momento para outro. Além do
escoadouro próximo, desdobravam-se outra vida e outra experiência. Lá fora,
corriam regatos ornados de flores, rios caudalosos repletos de seres diferentes
e, por fim, o mar, onde a vida aparece cada vez mais rica e mais surpreendente.
Descreveu o serviço de tainhas e salmões, de trutas e esqualos. Deu notícias do
peixe lua, do peixe-coelho e do galo-do-mar. Contou que vira o céu repleto de
astros sublimes e que descobrira árvores gigantescas, barcos imensos, cidades
praieiras, monstros temíveis, jardins submersos, estrelas do oceano e
ofereceu-se para conduzi-los ao Palácio de Coral, onde viveriam todos
tranquilos. Finalmente, os informou de que semelhante felicidade, porém, tinha,
igualmente, seu preço. Deveriam todos emagrecer, convenientemente, abstendo-se
de devorar tanta larva e tanto verme nas locais escuros e aprendendo a trabalhar
e a estudar tanto quanto era necessário à venturosa jornada.
Assim que terminou, gargalhadas
estridentes coroaram-lhe a preleção.
Ninguém acreditou nele.
Alguns oradores tomaram a palavra e
afirmaram, solenes, que o peixinho vermelho delirava, que outra vida além do
poço era francamente impossível, que aquela história de riachos, rios e oceanos
era mera fantasia de cérebro demente e alguns chegaram a declarar que falaram
em nome de Deus dos Peixes, que trazia os olhos voltados para eles unicamente.
XIX – A DECISÃO DO REI
O soberano da comunidade, para melhor ironizar o peixinho,
dirigiu-se em companhia dele até à grade de escoamento e, tentando, de longe, a
travessia, exclamou, borbulhante:
- “Não vês que não cabe aqui nem uma só
de minhas barbatanas? Grande tolo! Vai-te daqui! Não nos perturbe o
bem-estar... Nosso lago é o centro do Universo... Ninguém possui vida igual à
nossa...”
XX - CONCLUSÃO
Expulso a golpes de sarcasmo, o peixinho realizou a viagem de
retorno e instalou-se, em definitivo, no Palácio de Coral, aguardando o tempo.
Depois de alguns anos, apareceu pavorosa
e devastadora seca.
As águas desceram de nível. E o poço onde
viviam os peixes pachorrentos e vaidosos esvaziou-se, compelindo a comunidade
inteira a perecer, atolada na lama.
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O esforço de André Luiz, buscando acender luz nas trevas, é
semelhante à missão do peixinho vermelho. Encantado com as descobertas do caminho
infinito, realizadas depois de muitos conflitos no sofrimento, volve aos
recôncavos da crosta terrestre, anunciando aos antigos companheiros que além
dos cubículos em que se movimenta resplandece outra vida, mais intensa e mais
bela, exigindo, porém, acurado aprimoramento individual para a travessia da
estreita passagem de acesso às claridades da sublimação.
Fala, informa, prepara, esclarece.
Há, contudo, muitos peixes humanos que
sorriem e passam, entre a mordacidade e a indiferença, procurando locas
passageiras ou pleiteando larvas temporárias.
Esperam um paraíso gratuito com
milagrosos deslumbramentos depois da morte do corpo.
Mas, sem André Luiz e sem nós, humildes
servidores de boa vontade, para todos os caminheiros da vida humana pronunciou
o Pastor divino as indeléveis palavras: “A cada um será dado de acordo com
as suas obras.”
Emmanuel
Pedro Leopoldo, 22 de fevereiro de 1949.
(...)
O autor espiritual informa sobre a intercessão realizada pelos espíritos superiores em benefício dos homens, dando provas da misericórdia divina, que
concede a todos abençoada oportunidade de libertação pelo estudo, pelo
trabalho e pelo perseverante serviço na prática do bem. (Quarta capa do livro)
Libertação, FEB, 1949
– André Luiz/Francisco Cândido Xavier
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Nesse nosso
despretensioso estudo, nos limitamos apenas a desdobrar, em vinte capítulos, a
lenda egípcia que Emmanuel tão bem insere em seu extraordinário prefácio.
Só nos resta agradecer a Nosso Senhor
Jesus Cristo pela presença desses diletos representantes entre nós: Emmanuel e Chico
Xavier.
Cezar Carneiro - Uberaba, 23 de maio de 2016.