Isabel de Aragão, Chico Xavier e os idos de 1910
"(...) Era noite e falávamos com
o agradável testemunho das estrelas do firmamento, no silêncio enigmático da
madrugada, e o saudoso amigo contou-me um pouco dos preparativos de sua última
reencarnação, ocorrida, como sabemos, a 2 de abril de 1910.
A beleza de suas palavras, a sublime
narrativa são comoventes. Nela sentimos o amor de Chico Xavier por sua mãe,
Maria de São João de Deus, e a profunda afinidade do médium com Isabel de
Aragão.
(...) Contou-me Chico que, próximo ao
seu nascimento, ocorreu no plano espiritual importante reunião com Isabel de
Aragão e outros elevados espíritos, a fim de estabelecer seu retorno à Terra.
E durante os preparativos para sua
reencarnação, Chico, com alguns benfeitores, visitou o lar que o abrigaria,
assim descrevendo a emoção do reencontro com a futura mãe:
- De minha parte, pela primeira vez,
enxergava a paisagem de Pedro Leopoldo. Era bem um vale úmido a vila modesta
que pisávamos. Uma cachoeira de águas claras parecia cantar no terreno
recentemente desbravado, e as linhas da via férrea se me figuravam antenas
horizontais do progresso que penetrava pelo verde adentro. O ribeiro separava o
povoado em duas regiões distintas. Do lado norte, de que vínhamos, estava a
indústria nascente dos tecidos de algodão e, para cá do ribeiro, no lado sul, o
casario escasso parecia um conjunto de grandes pombais caiados de branco.
A oeste, o sol entrava no poente.
Entrei, com benfeitores amigos, numa rua que se abria, como até hoje, à frente
da igreja singela, mas já construída em louvor da mãe de Jesus. Estacamos à
porta de entrada da casa que seria o meu lar. Aguardamos alguns minutos de
expectação, quando jovem senhora, em companhia de outras, se destacou para
entrar na residência humilde. Era morena, de baixa estatura, vestindo roupa
simples e de sorriso amigo, evidenciando resignação e simplicidade. Os cabelos
trançados se lhe enrodilhavam de modo gracioso na cabeça. Despediu-se das
companheiras que seguiram à frente e passou por nós sem ver-nos.
Um dos benfeitores explicou:
- Esta é a nossa irmã tutelada de
João de Deus. Em várias existências, brilhou na cultura do mundo e, por várias
vezes, se consagrou à religião em casas de fé. No entanto, em fins do século
passado, pediu a maternidade por tarefa primordial, rogando ambiente de extrema
carência material para burilar-se na própria alma. Tem agora a idade de 26 anos
na experiência física, um marido operário, junto de quem é humilde tecelona
numa fábrica de tecidos, e já foi mãe de oito filhos, tendo perdido uma filhinha
desencarnada em idade tenra e mantendo ainda sete que estão em crescimento.
Chico continuou:
- Uma simpatia profunda me ligou
imediatamente àquela mulher humilde e tranquila. Parecia-me rever em roupagem
diferente uma irmã querida de quem me afastara sem precisar por quanto tempo.
Incapaz de explicar a emoção que me dominava, caí em pranto em que a dor se
misturava com a alegria, pois reencontrava uma criatura afetuosa e amiga.
Lembro-me de que não me pude conter e caminhei para ela, envolvendo-a num grande
abraço. A senhora sentiu profunda comoção e começou também a chorar, ignorando
como explicar a si própria o motivo de tantas lágrimas. Decorridos instantes,
entrou o marido, um homem claro, magro e alto, usando colete antigo sob o
paletó comum e, após retirar um boné que trazia na cabeça pintalgada de
algodão, perguntou:
- Maria, o que houve, por que chora?
- João, – respondeu ela – eu mesma
não sei. Estou assim como quem se recorda de alguém que a gente ama e que a
morte não mais nos deixa ver...
- Você andou lendo algum romance? -
falou aquele que iria ser meu pai.
- Não, nada li... É apenas um estado
estranho em que entrei...
O dono da casa buscou o interior da
moradia, de onde vinham vozes e gritos de crianças, e Maria de São João de Deus
sentou-se e orou, ali mesmo, na sala estreita, pedindo a Jesus a paz de quem
ali estivesse, na condição de alma em saudade e sofrimento. Penetrei nos
recantos da casa, na qual deveria em breve abitar. A pobreza e a simplicidade
de tudo faziam-me chorar. Retornamos à vida espiritual e, pouco tempo mais
tarde, voltei para que me ligasse a Maria de São João de Deus em definitivo.
Foi em 1910, quando tive a obrigação de obedecer a severas disciplinas para que
tudo ocorresse segundo a Vida Maior e não conforme os meus ideais, egoísticos
talvez, de felicidade e de amor. (...)"
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Fonte: do livro "Mensagens de
Inês de Castro", psicografia de Francisco Cândido Xavier / Organização
de Caio Ramacciotti / Pelo espírito Inês de Castro
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Lembrar com clareza de quando se
encontrava no mundo espiritual preparando-se para reencarnar? Um acontecimento
digno de um grande missionário!
Certa vez ouvi do Chico: "Acho
que Jesus não está decepcionado comigo. Graças a Deus cumpri meu dever assumido
antes da minha reencarnação."
Cezar Carneiro - Uberaba, 2 de abril
de 2019