Preconceito: Chico Xavier começou a ouvir vozes na infância e foi taxado de louco e doente. Ele tinha apenas 5 anos quando perdeu a mãe. Logo
depois, o menino começou a ouvir vozes e ver espíritos. Incompreendido
pela família e pela sociedade de Pedro Leopoldo, o garoto foi taxado de
louco e doente. Muitos anos depois, Chico Xavier ficou mundialmente
conhecido.
Ainda hoje, o médium é um dos brasileiros mais respeitados e admirados
no país. A incompreensão vivida por Chico Xavier há 95 anos ainda é uma
questão atual. Afinal, ouvir vozes, ter visões e sensações que não são
percebidas por todos podem ser sinais comuns entre pessoas que têm
transtornos mentais e aquelas com a mediunidade aflorada.
Para traçar as diferenças e o limite entre os psicóticos e os médiuns,
estudiosos do Núcleo de Pesquisa em Espiritualidade e Saúde (Nupes), da
Universidade Federal de Juiz de Fora, realizam um levantamento sobre o
tema.
Os resultados preliminares mostram que os dois casos são distintos. O
professor de psiquiatria e coordenador do Nupes, Alexander Moreira
Almeida, explica que o trabalho começou em 2001, quando ele desenvolvia
seu doutorado. Na época, acompanhou a vivência de 115 médiuns na cidade
de São Paulo. Eram pessoas adultas que manifestaram sua mediunidade
ainda na infância. O professor constatou que, enquanto a incidência de
problemas psiquiátricos na população em geral era de até 20%, entre os
médiuns avaliados o índice foi de 7,8%.
"Os médiuns apresentaram baixa prevalência de problemas psiquiátricos e
bom ajustamento social, com alta escolaridade e baixo desemprego. A
maioria teve o início de suas manifestações mediúnicas na infância, e
elas, atualmente, não necessariamente implicam um diagnóstico de
esquizofrenia. A mediunidade se constitui numa vivência diferente do
transtorno de personalidade múltipla".
O estudo também revela que a percepção sobre a experiência de ouvir
vozes ou ter visões, por exemplo, em doentes psiquiátricos e médiuns é
distinta (veja quadro abaixo). As reações nos dois casos são diferentes.
No ano passado, a pesquisa entrou na segunda fase, que será concluída
em 2011. Os estudiosos analisam o comportamento de 120 pessoas em Juiz
de Fora que, há pouco tempo, descobriram a mediunidade. O professor
explica que, para o estudo, a mediunidade é definida como uma
experiência em que o indivíduo (médium) alega estar em comunicação com
ou sob a influência de uma pessoa falecida ou de outro ser não material.
O psiquiatra João Eduardo Vilela diz que não existem muitos estudos
conclusivos sobre a espiritualidade. Mas ele esclarece que, na
psiquiatria, um paciente não é tratado como esquizofrênico somente por
relatar ouvir vozes ou ter visões. "Para que um caso seja diagnosticado
como psicótico é preciso que a pessoa tenha outros sintomas, como falta
de percepção de afeto e de contato com as pessoas. Um esquizofrênico
pode dizer que te adora e, ao mesmo tempo, te agredir fisicamente. Ele
tem vozes dentro de si que são conflituosas. Esse tipo de comportamento
não costuma se apresentar em médiuns", conta.
O presidente da União Espírita Mineira, Marival Veloso de Matos,
acredita que a pesquisa pode ser uma maneira de enterrar o preconceito
que resiste para com os espíritas. Há 67 anos, uma das 13 irmãs de
Veloso começou a apresentar sintomas, como confusão e desmaios, que
levaram a família a pensar que ela estava doente. Depois de ir a muitos
médicos e nenhum deles melhorar o estado da criança, a família decidiu
procurar um centro espírita. Em 15 dias, ela estava bem e, segundo
Veloso, se livrou do espírito obsessor que a perturbava.
Depois da experiência, toda a família se converteu do catolicismo ao
espiritismo. "O preconceito com os espíritas está menor, mas muitas
pessoas ainda fazem essa confusão entre mediunidade e loucura. Muitas
vezes, alguém que esteve em hospital psiquiátrico começou com uma
manifestação mediúnica. Mas como a família e a sociedade não entendem,
a situação pode se agravar com a ingestão de medicamentos fortes para
loucura".
PRECONCEITO
Pensei que estava esquizofrênica
A jovem médica tinha 25 anos quando começou a ver e a sentir a presença de espíritos ao seu lado. Sempre acostumada a ver a vida como uma ciência, ela conta que, filha de uma mãe muito católica, teve dificuldades em aceitar a sua espiritualidade. Ela não quis se identificar por medo do preconceito dos seus pacientes e colegas de trabalho.
Hoje, aos 33, a médica afirma que, no início, chegou a pensar que estava esquizofrênica. “Quando tive as primeiras manifestações, conversei com uma irmã pensando que estava louca. Ela me levou a um centro espírita e percebi que era o meu lado espiritual. Ainda tenho dificuldades de lidar com essa questão. Quando um espírito se aproxima de mim, sua imagem se forma e consigo ver como ele era. Sinto o que ele sentiu ao desencarnar. Parece estranho, mas é o que acontece”, revela.
O professor de psiquiatria e coordenador do Núcleo de Pesquisa em Espiritualidade e Saúde, da Universidade Federal de Juiz de Fora, Alexander Almeida, lembra que entre meados dos séculos XIX e XX, a mediunidade foi, na maior parte das vezes, considerada um indicador de grave transtorno mental. “Nas últimas décadas, as vivências mediúnicas têm sido prevalecentes. Entretanto, as experiências não indicam a presença de transtorno mental”. (TT)
Jornal OTEMPO| 05/07/2010 | Enviado por Geraldo Lemos Neto | Vinha de Luz - Serviço Editorial | Leonardo Vieira
06/07/2010
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