Artigo. O Cidade Conecta preparou lançamentos, periódicos, de artigos do escritor, expositor e articulista José Martins Peralva Sobrinho, ou simplesmente Martins Peralva, como era conhecido. Ele, que foi um dos grandes representantes do movimento espírita no Brasil, escreveu os seguintes livros: “Estudando a mediunidade”, “Estudando o Evangelho”, “O Pensamento de Emmanuel”, “Mediunidade e evolução”, editados pela Federação Espírita Brasileira (FEB), e “Mensageiros do bem”, editado pela UEM.
Os artigos que publicados fazem parte do livro “Evangelho puro, puro Evangelho – Na direção do Infinito”. Trata-se uma coletânea de textos disponibilizados nos jornais “O Luzeiro”, periódico de sua terra natal, Sergipe, “Síntese” e “Estado de Minas”, ambos de Minas Gerais, e na revista “Reformador” da FEB. Geraldo Lemos Neto, responsável pelo Vinha de Luz — Serviço Editorial, foi quem coletou o material com a família Peralva, para que a comunidade espírita tivesse a oportunidade de conhecer mais de perto Martins Peralva.
Evangelho e liberdade
Outubro | 1957
Parece haver contradição nas palavras do doutor de Tarso, quando afirma que, sendo livre, se fez escravo. Efetivamente, o raciocínio menos avisado pode conduzir-nos à ideia de que não é possível conservar a liberdade e, simultaneamente, permanecer na posição de servo. Para o homem vulgar, habituado a conceituações utilitaristas, senhor é senhor, escravo é escravo; quem manda manda mesmo, quem obedece obedece mesmo.
A palavra do Evangelho é assim: se lhe não for perscrutado o sentido íntimo, incompreendida se tornará. Por isso é que o próprio Cristo, por muitas vezes, após discursos memoráveis em que as multidões ficavam aturdidas, perplexas, olhando sem ver e ouvindo sem entender, os concluía afirmando: “Nem todos podem receber essa palavra”. Ou então, incisivo: “Quem pode receber isso receba-o”.
Paulo assimilou do Mestre a sabedoria extraordinária: falava e escrevia segundo o entendimento de cada um. Inúmeras vezes, entretanto, deixava que seu pensamento ficasse oculto até que se verificasse o amadurecimento mental do povo. Seus discursos têm que ser, igualmente, meditados. Como é possível ser livre e servir a todos? Eis o problema que a referência paulina nos confia ao discernimento. Aquele que se vai identificando, pouco a pouco, com a ideia cristã, em sua legítima essência, incorporando-a, gradativamente, à própria vida, adquire a liberdade de pensar altaneiramente e de, conscientemente, construir o próprio destino. Essa estranha liberdade não lhe sugere, entretanto, a fuga ao compromisso de, com todos convivendo, a todos servir.
Antigamente, quando o escravo obtinha a sua libertação, fugia à luta, abandonava o trabalho, rebelava-se, porque o senhor era impiedoso, inflexivelmente impiedoso. Em nossas lutas, quando adquirimos a “liberdade com Jesus”, permanecemos no campo de mais rudes experiências, aceitando as provas mais dolorosas, porque o divino Mestre, generoso e compassivo, nos ensina que a liberdade real, alforria verdadeira, é a que liberta a consciência, mas nos aprisiona o coração ao sublime ideal de servirmos em seu nome.
O cristão é um liberto. Liberto de preconceitos e dogmas opressores, que estratificam as consciências, desenvolvem aspirações elevadas. Mas o discípulo sincero é, também, um escravo. Escravo do ideal de servir. Escravo incondicional do bem. Com Jesus, cantamos em pleno espaço, como alegre pássaro, as glórias do Infinito. Sem Jesus, somos pássaro morto, inerte e frio. Por isso é que Paulo, escrevendo aos coríntios, explica-lhes que sendo livre para com todos fez-se servo de todos, harmonizando-se assim, plenamente, com o divino Mestre, que esclarecia: “O Filho do homem não veio para ser servido, mas para servir”. O discípulo vive no mundo, serve ao mundo, mas o compromisso de sua consciência e de seu coração é com o Senhor. Sua condição de servo do Cristo fá-lo livre, realmente, mas, em que pese ao paradoxo, torna-o servidor de todos. Conserva a consciência livre das injunções transitórias, mas o seu coração, inundado de esperanças, o identifica, suavemente, com as necessidades do próximo.
Foto: União Espírita Mineira (UEM)