-Socorrei, um grande acidente ocorreu na obra da ponte. Muitos estão feridos inclusive feitores. Os Guardas estão deixando a própria sorte os escravos sem condições de recuperação e os outros eles também pouco ajudam.
Estas palavras de desespero foram pronunciadas pelo jovem Azarias, recente frequentador da igreja cristã de Antioquia. A notícia dita assim afetou profundamente todos que lá se encontravam.
A cidade de Antioquia sempre foi prodiga em obras. A sua posição estratégica para o império romano naturalmente gerava a necessidade de melhorias constantes e de embelezamento que nunca terminavam. Grande parte do contingente de trabalhadores usados nas obras públicas, compunha-se de escravos. Muitos deles por cometerem crimes. Eram segregados da sociedade, sem qualquer política de recuperação e vistos como peças de uma engrenagem de trabalho que não via dificuldade em descarta-los. Comumente trabalhavam até a morte. Os que não iam as Gales, seguiam para minas cujo ambiente fazia-se tão insalubre que só sobreviviam por poucos meses. Os destacados para obras nas cidades, tinham as penas menores, mas mesmo assim não eram menores as suas lutas para continuar vivendo.
Ao ouvir os gritos de pedido de ajuda, Barnabé chamou imediatamente alguns irmãos da casa e de posse de algumas ferramentas, bandagens e óleos, se pôs a caminho ao local indicado por Azarias. A obra objetivava expansão e reparo na maior e principal ponte sobre o rio Orontes, aproveitando o período de longa estiagem. Os socorristas sabiam por experiência que era necessário ser rápido para atender os feridos. No caminho, Barnabé, foi orando e pedindo aos anjos do senhor que lhe orientassem como proceder.
Ao chegar ao local da construção, viu que o estrago havia sido grande. Alguns homens jaziam sem vida estendidos em monturo improvisado, outros gemiam em separado aguardando socorro que não vinha enquanto uma inspeção oficial determinasse quem tinha condições de viver ou não. Até alguns feitores haviam sido atingidos. Nos escombros existentes ouviam-se gemidos.
Barnabé com a ajuda de irmão Lúcio, possuidor da cidadania romana, buscou o responsável pela segurança que era um guarda de face rude que lhe atendeu de forma seca dizendo:
-Que quereis? Porque se aproximam?
-Senhor, viemos aqui pedir permissão para socorrer os afetados pelo acidente. Me chamo Lúcio e este é Barnabé.
-Que autoridade tens para tal?
-Não temos selo documental. Somos de uma casa que socorre desditosos da sorte e queremos aliviar a dor. Deixai que possamos trata-los até que autoridade constituída para tal chegue.
O Soldado olhou desconfiado para aqueles homens que se ofereciam ao serviço e retrucou:
-O que esperais ganhar com isto?
-Fazemos sem pedir remuneração. Só queremos ajudar os sofredores.
-Se quereis ajudar estais autorizado a cuidar dos feitores que são homens livres e recebem pagamento. Os outros são miseráveis escravos, propriedade do Império. Não deveis toca-los, pois podem tentar evadir. Eles serão avaliados. Se puderem se levantar e se recuperar, viverão, caso contrário termina aqui sua jornada. Não gastai tempo com eles, são todos condenados que merecem pouca atenção.
-Não esperamos recompensa por nossa ação, disse irmão Lúcio, agiremos pelo interesse de socorrer a quem sofre. Se permitires vamos atender aos feitores e os outros. Quem sabe podemos fazer com que eles possam se recuperar. O Império só tem a ganhar.
Sob os olhares piedosos de Barnabé e irmão Lucio o vigia pensou e respondeu:
-Pois bem, podeis agir, mas atendei os feitores primeiro. Dos escravos só podeis cuidar até a chegada da inspeção. Não podem ser retirados os ferros que os prendem e não posso garantir a segurança de vocês pois tenho muito a fazer.
Barnabé e irmão Lucio entendedores da cultura romana, sabiam das limitações dos guardas e como em geral tratavam sem a mínima consideração os escravos de trabalhos forçados. Contavam com o interesse do homem em ser bem visto pelos superiores por recuperar alguma força de trabalho.
-Agradeço e saúdo sua autorização. Faremos como nos indicastes. Respondeu Irmão Lucio.
Nada podiam fazer pelos que estavam presos aos escombros. Haviam dois feitores e seis prisioneiros feridos. Começaram a agir pelos encarregados. Um deles estava inconsciente e outro reclamava muito de uma pancada no ombro e de um braço inerte pela dor. Sem poder tratar no local o feitor inconsciente voltaram-se para o que estava acordado.
-Como se chama irmão?
-Me chamo Igor, sou grato pela sua ajuda, porque fazem isto?
-Deus pede que socorremos todos os necessitados, não importando quem seja. Tome este liquido vamos cuidar de você.
Fizeram a limpeza do ombro ferido, cuidaram para reduzir a dor no braço, colocando-o em posição fixa e confortável com ajuda de faixas.
Atenderam os prisioneiros no que foi possível, dando-lhes, medicamento, agua e alimento rápido. Infelizmente não podiam fazer mais.
-Deixem estes miseráveis. Cuidem do meu colega Heitor gritou o recém ajudado Igor.
Com a intervenção de Igor que sentindo-se melhor preferiu partir para casa de parentes, receberam a autorização para levar o feitor inconsciente para o tratamento na instituição cristã. Barnabé atendendo aqueles prisioneiros lembrou-se que Jesus também havia sofrido na mão dos soldados romanos impiedosos e foi amparado por um cireneu que não lhe negou ajuda mesmo não sabendo de quem se tratava (1). Pensou, não era também sua obrigação ajudar no possível irmãos em sofrimento sem fazer julgamento? O Mestre havia sido colocado entre dois ladrões e os ofereceu a salvação pelo arrependimento. O exemplo falava mais do que grandes discursos, o caminho a seguir.
Dias se passaram sem que Heitor se recuperasse. O tratamento de compressas, unguentos, agua da oração e aplicação das mãos era feito duas vezes ao dia. Finalmente na manha que completava sete dias do incidente, o doente acordou, foi-se recordando lentamente de todo o ocorrido. Não entendia onde estava e quem eram aquelas pessoas que o cercavam. Notou que como resultado do seu ferimento havia perdido a mão e a perna movia-se com dificuldade. Barnabé foi avisado e prontamente se aproximou. Aguardou o momento certo e disse:
-Olá irmão Heitor, que alegria em vê-lo despertar.
-Como sabes meu nome? Como vim parar aqui? Quem são vocês? porque estou neste estado?
-Calma irmão, vou te esclarecer de tudo, mas primeiro respire fundo e descanse um pouco. Você sofreu uma acidente na ponte e seu colega Igor conseguiu com os guardas que fossemos autorizados a socorre-lo. Graças a Deus você agora esta melhor.
-Agradeço o seu ato de bondade mas preferia ter morrido a ficar no estado que estou. Sou um inútil agora. Como vou trabalhar sem uma mão e com a perna neste estado? Perdi logo a mão que uso sempre para fazer mover os lerdos. Além do mais não tenho recursos para pagar pelos serviços de vocês.
Barnabé refletiu por instantes, sentindo-se compadecido por aquela alma que não havia ainda descoberto o poder do amor ao próximo. Poucos, pensava, tinham tido a dádiva do contato com os ensinos de Jesus. Como era triste a vida daqueles que não entendiam o sentido maior da vida. Sabia que cada pessoa tinha o seu momento de despertar. Será que aquela não seria a oportunidade de Heitor? Há muito aprendera que se desejava ajudar não deveria julgar. Lembrou-se da recomendação de Jesus sobre o julgamento. “Não julgueis para não serdes julgados. Pois com o julgamento com que julgais sereis julgados, e com a medida com que medis sereis medidos” (2) e respondeu:
-Heitor meu caro amigo, não se preocupe pelo pagamento dos serviços. Todos nós aqui, fomos de uma forma ou outra beneficiados por esta casa. No momento que puderes e desejares, sem nenhuma obrigação, aceitaremos a sua ajuda em nossas tarefas. Agora descansa para recuperar as suas forças.
O antigo feitor com expressão extenuada, lançou um olhar de reconhecimento e agradecimento a Barnabé e fechando os olhos voltou a dormir. Os dias iam passando e o doente foi se recuperando. Aos poucos levantou da cama e passou a assistir as reuniões de comentários dos ensinos de Jesus. Durante as refeições passava longo tempo a conversar. Buscava entender os conceitos vivenciados na instituição que lhe acolhera tão bem.
Quando completou três meses de tratamento, Heitor procurou Barnabé em particular e disse:
-Irmão gostaria de agradecer a tudo que vocês fizeram por mim. Não me sinto merecedor de tanta ajuda e consideração. Enquanto feitor das obras do estado, procedera sempre com disciplina em relação as minhas tarefas e extremo rigor para com aqueles que não cumpriam o que lhes era esperado. Muitas vezes usei o chicote, nos escravos, sem piedade até seus corpos sangrarem e quando não mais atendiam ao esforço exigido, os descartava para o destino que os conduzia a morte certa. No meu entender era até um bem para eles, se livrarem de tão triste vida. Sentia nos olhos deles muitas vezes o ódio por mim, mas encarava isto como parte natural do meu trabalho. Nunca no entanto tive o prazer em feri-los.
Barnabé ouvia silencioso o depoimento, observando quanto sofrimento campeava pelo mundo. Condoía-lhe na alma o relato de como seres humanos eram tão pouco considerados e mal tratados.
-Hoje vejo o mundo de uma forma diferente. As lições do mestre Jesus tocaram o meu coração e desejo seguir seus ensinamentos. Não posso voltar ao meu antigo trabalho mesmo já estando recuperado fisicamente. Vejo agora que todos somos filhos de Deus e que somos iguais perante Ele. Não posso mais chicotear os infelizes sob o braço da lei. Gostaria de retribuir com o meu trabalho o que esta casa fez por mim mas não sei se sou digno desta dádiva.
-Irmão Heitor, estamos muito felizes com o seu depoimento. Você é bem vindo para ficar aqui o quanto desejar pois o trabalho e a acolhida não lhe faltarão. Aquele que agradece ao pai servindo ao próximo abre possibilidades infinitas ao seu espírito. Quem pode dizer “estou isento de falhas e enganos”? Se atiramos uma pedra no próximo podemos acertar a imagem que nele reflete a nossa própria figura, mostrando as mazelas que carregamos.
Após abraçar o novo trabalhador da casa e o leva-lo para a sua primeira tarefa, Barnabé assentou-se no banco do pequeno jardim da entrada. As lagrimas vieram em profusão aos seus olhos. Ficou olhando o céu, pensando consigo mesmo: Quantas bênçãos Senhor recolhemos ao nos predispormos a auxiliar o nosso semelhante! Se os ignorantes soubessem e experimentassem quanto é bom praticar o bem e o conforto interior que isto traz, certamente mudariam de atitude por reconhecer que sem o foco no amor ao outro como a nós mesmos não é possível chegar a verdadeira felicidade.
- Lucas 23:26
(2) Mateus 7:1 e 2.
Carlos Malab – textos sobre Barnabé
Engenheiro, 61 anos, formado pela PUC-MG, com extensão no IEC e Fundação Don Cabral, o autor da coluna, foi Professor convidado no IBMEC, IEC, IETEC e PUC-MG. Possui vasta experiência em planejamento e implementação de tecnologias no Brasil, tendo trabalhado por um ano na Namíbia onde dirigiu a parte tecnológica da maior empresa de Telefonia Móvel Celular do pais. Atualmente reside em Belo Horizonte onde desenvolve atividades de consultoria. Tem se dedicado a estudos, pesquisas sobre o Evangelho e questões espirituais. Espírita Cristão, Atualmente integra os quadros do Portal Saber Espiritismo, do Grupo Mediúnico Maria de Nazaré e do Grupo Espírita Saber Amar de Belo Horizonte. É palestrante e autor dos livros Telefonia Móvel de Forma Simples e Prática (Clube de Autores) e Era Uma Vez Para Sempre (Editora Vinha de Luz).
E mail: cmalab@gmail.com
Foto: Psicopictografia pela Medium Cleide – Espirito Guignard- Fraternidade Cristã Francisco de Assis (FECFAS)