Por Flávio Mussa Tavares
Escola Jesus Cristo | Campos | RJ
A nossa amiga Julieta Marques, de Portugal, visitando a nossa Escola Jesus Cristo, deu-nos uma aula e fez uma bela palestra. Além disso, ofereceu-nos a entrevista aqui publicada.
 Sra. Julieta Marques em palestra na Escola Jesus Cristo
1 - Flávio - Qual a sua impressão ao chegar pela primeira vez ao Brasil? Já passou por alguma experiência semelhante?
Julieta - Uma alegria intraduzível, era como se fosse o retorno a casa. Tudo me era familiar. E prometi a mim mesma voltar, só que eu não fazia ideia de que viria tanta vez. Curiosamente, senti o mesmo quando visitei a Ucrânia, aí tive a mesma sensação de já lá ter vivido. O que é muito bom, pois nos dá uma dimensão de sermos viajantes no tempo e no espaço.
2 - Flávio - O Espiritismo no Brasil tem um aspecto eminentemente social, devido à pobreza em nosso meio. Se Portugal é hoje um país de pujança econômica, inserido na Comunidade Europeia, diga-me qual é o caráter principal do Espiritismo em seu país.
Julieta - Quando eu chego à casa espirita no ano de 1960, havia em Portugal uma situação de pobreza extrema, aí sensibilizei os dirigentes a fazer dois almoços por ano, um era no Natal e outro na Páscoa. Era a oportunidade que tínhamos, mas mesmo assim tínhamos que pedir autorização ao prefeito da cidade, e olhe que isso era feito na casa espírita. Hoje a situação mudou, os idosos têm uma ótima assistência, com três lares muito bons, onde toda a assistência lhes é prestada. São como hotéis de cinco estrelas e só pagam com parte de suas aposentadorias. Então a Doutrina Espírita em Portugal dedica-se essencialmente à divulgação da mesma, muito embora com a abertura das fronteiras tenham aparecido alguns problemas sociais que em colaboração com as autoridades locais acabamos por ajudar a diminuir. Hoje estamos, graças à nova Constituição pós-Revolução 25 de abril de 1974, com muito boas relações com o poder local, então fica tudo mais fácil para nós, pois que há uma colaboração e prestação de serviços em comum.
 Sra. Julieta Marques com Flávio Mussa Tavares, à sua esquerda, de pé
3 - Flávio - O que você pode nos falar sobre o Espiritismo na Europa?
Julieta - O Espiritismo na Europa está crecendo, muito embora o país onde ele está mesmo firmado e crescendo muito seja Portugal. Nosso país e Brasil são os dois expoentes máximos na divulgação da Doutrina Espírita. O resto são, por assim dizer, grupos familiares de portugueses e brasileiros imigrantes, que através de sua generosidade e vontade inquebrantável para difundir a Doutrina reúnem-se e divulgam conforme podem a doce Doutrina da Consolação por esse mundo além.
4 - Flávio - Como considera a obra de Chico Xavier em relação à difusão do Espiritismo pela Europa? A viagem de Chico e Waldo em 1965 ainda produz frutos?
Julieta - Tanto quanto sei a obra de nosso Chico é conhecida e estudada em todos os grupos, em toda a Europa, o que se entende, pois que ela é a extensão da obra dos espíritos através de Kardec. Agora a vida dele não é tão exaltada, como aqui no Brasil, o que é uma pena, mas com o tempo toda a gente um dia vai querer saber quem foi Francisco Candido Xavier. Quanto à viagem de Chico e Waldo Vieira, eu não tenho informação que possa servir de testemunho, (...) eles foram a Portugal numa época em que a Federação Espírita não estava funcionando mercê da política vigente, a comunicação entre os espíritas não se fazia, porque todas as casas foram encerradas, então nós tivemos conhecimento depois do acontecimento e também porque esses dois nomes eram como ilustres desconhecidos em nosso movimento, lamentavelmente... Sei duma entrevista que saiu numa revista que se publicava na época, ESTUDOS PSÍQUICOS, editada por nosso amigo Tenente Isidoro Duarte Santos, e que eu assinei até sua extinção. Mas eu também tinha acabado de entrar no Espiritismo e tudo era muito difuso e complexo naquela época da ditadura.
5 - Flávio - A senhora tem algo a contar sobre os portugueses famosos no Brasil, como João de Deus, Guerra Junqueiro, Antero de Quental, Júlio Diniz e Camilo Castelo Branco?
Julieta - Todos esse nomes de grandes escritores e poetas portugueses são por demais conhecidos e suas mensagens recebidas umas por nosso Chico Xavier e outras pelo médium português Fernando Lacerda. João de Deus é um poeta que nasceu em nossa região, na cidade de S. Bartolomeu de Messines e a casa onde nasceu está lá bem perservada para as gerações futuras poderem localizar onde nasceu esse poeta tão sensível e delicado. Guerra Junqueiro era um inimigo figadal da igreja e seus versos são uma crítica contumaz à mesma, basta ler O PADRE ETERNO e outro, mas este é o mais conhecido. Júlio Diniz é o escritor que relata muito bem a vida campesina de nosso povo, seus costumes, o lirismo de nosso povo na sua ingenuidade. Depois temos Camilo Castelo Branco, alma apaixonada, temperamento arrebatado, vivia intensamente a vida, apaixonou-se por aquela dama, a Ana Plécido, que era casada e isso levou-o à prisão, onde permaneceu durante algum tepo, na cidade do Porto - esse edifício da prisão ainda existe e pode ser visitado. Estive em sua casa, onde viveu seu drama da cegueira, e onde se suicidou. Lá está ainda a acácia, árvore onde brincava seu filho Jorje. Tenho um poema dele dedicado aos amigos, quando estava cego, é uma lição para todos nós. Seus livros cairam no Index da igreja, quase todos, infelizmente. E agora nosso poeta açoreano, pois que nasceu nos Açores, Antero do Quental, que eu admiro e lamento seu trágico fim. Mas nosso Chico Xavier trouxe-nos de volta esses nomes através de suas comunicações, o que nos deixa muito felizes.
Antero de Quental, poeta português nascido nos Açores, sofre de insularidade e não só: há um problema de saúde que o afeta de tal modo que ele acaba por não suportar a situação que o atormenta e suicida-se. Deixou obra literária e poética de grande valor. Foi também um dos poetas portugueses que se comunicou através da psicografia de Francisco Cândido Xavier. Vale a pena ler sua obra antes e depois de seu decesso. Muito interessante.
6 - Flávio - Sobre o Espiritismo inglês não adotar a reencarnação e a lei de causa e efeito, a senhora pode nos falar?
Julieta - Entende-se que os ingleses não aceitem a reencarnação por razões de orgulho de raça. Mas um dia eles vão entender e aceitar, nada como o tempo para trazer mais luz sobre as mentes que ainda teimam em viver na obscuridade pela não aceitação da lei moral da reencarnação e de causa e efeito.
7 - Flávio - Sobre a Rússia, a África portuguesa e outras colônias ultramarinas como Goa, Macau e Timor Leste, além de outras regiões já visitadas, pode nos dar alguma notícia?
Julieta - Em nossa África posso dizer que há um trabalho muito bonito realizado na cidade de Luanda, com uma casa espírita onde existe um trabalho de estudo, divulgação e atendimento às necessidades básicas do povo, e isso se deve à nossa irmã Amélia Cazalma, mulher dinâmica e com verdadeira alma de missionária. Em Moçambique, existe na cidade de Maputo, antiga Lourenço Marques, uma casa espírita com imensas dificuldades, mas realizando um trabalho muito bom - ele é presidido por nossa irmã Irene. Também já lá estive por 16 dias e vi as dificuldades do grupo. Na Rússia, meu contato e visita foi à querida amiga a cientista Dra. Bárbara Ivanova, com quem estive em sua casa em Moscou e com quem mantive correspondência durante anos, até seu desencarne. Guardo comigo parte dessa correspondência, que talvez um dia eu publique. Mas penso que não há movimento espírita por lá.
8 - Flávio - Pode nos deixar as palavras finais?
Julieta - Minha gratidão pela forma como fui recebida em vosso grupo, fez-me sentir mais pequena ainda do que sou, pois que as manifestações de cordialidade e carinho foram de tal ordem que senti aí o verdadeiro "espírito de espírita" em suas múltiplas manifestações. Que nunca percam esse jeito de receber e estar, pois é assim que a Doutrina se firma entre os que buscam a casa espírita. Só posso dizer um muito obrigada por tudo.
In: http://espiritismocristao.blogspot.com/2010/07/entrevista-com-julieta-marques.html
27/07/2010
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