JHON HARLEY | PROFESSOR E ESPÍRITA
Francisco Xavier, o homem além do mito
ANA ELIZABETH DINIZ
Especial para O TEMPO
Conte um pouco sobre o seu convívio com Chico Xavier. Tive
o prazer de conhecer Francisco Cândido Xavier em 1981, na casa de sua
irmã Cidália Xavier de Carvalho. Confesso que nesse dia fiquei sob
certa hipnose, olhando fixamente para o tão falado Chico Xavier.
Encontro, reencontro, não sei. Mas a partir daí mantivemos um
relacionamento de respeito e amizade que só foi interrompido com seu
desencarne em 30 de junho de 2002. Durante todos esses anos de
convivência, pude confirmar o que muitas pessoas já diziam sobre ele,
um ser humano profundamente generoso, de hábitos simples, vivendo de
sua modesta aposentadoria. Um típico mineiro que adorava uma boa prosa
e ficava profundamente constrangido com elogios.
Foi essa amizade que o levou a enveredar pelo espiritismo? Nasci
na cidade de Pedro Leopoldo e minha formação religiosa foi estruturada
nos princípios do cristianismo, sob a interpretação do movimento
católico. Na adolescência, por alguns anos, cheguei também a participar
do movimento umbandista. Por volta dos 17 anos, em diversas ocasiões
tive sonhos curiosos em que Chico Xavier era o protagonista e
alimentava um insistente desejo de conhecê-lo. Passei a sonhar que ele,
sorridente, me olhava atentamente. Corria para encontrá-lo, mas quando
chegava próximo ele já se encontrava em outro lugar. Esses sonhos
persistiram por um bom tempo e deixaram significativas impressões. Essa
amizade interferiu na minha forma de pensar e agir e em 1980 me tornei
espírita e passei a estudar os princípios codificados por Allan Kardec,
além das muitas obras psicografadas por Chico Xavier e outros
companheiros de ideal.
Quem foi Chico na sua visão? Uma unanimidade
nacional no campo do trabalho e da assistência social. Em tempos de
tanta intransigência e intolerância e dentro de um contexto social
individualista, espero, sem nenhuma intenção de divinizá-lo, ter
conseguido dizer que a humanidade em Chico Xavier ultrapassou os
limites dos movimentos religiosos por mim conhecidos, se materializando
no transcorrer dos seus 92 anos de idade em forma de generosidade,
compaixão e amor. Parafraseando o biógrafo uberabense Carlos Baccelli,
diria que Chico Xavier não foi um anjo exercendo o papel de um homem,
mas um homem, do mundo e no mundo, exercendo o papel de um anjo.
Em "O Voo da Garça - Chico Xavier em Pedro Leopoldo - 1910/1959"
(Editora Vinha de Luz, R$ 30), o escritor Jhon Harley,
conterrâneo do
médium, professor de educação física e psicólogo,
procura em 328
páginas humanizar Chico através de detalhes de sua
vida garimpados ao
longo de uma amizade e convivência de 21 anos.
Qual o objetivo do livro? Na grande maioria das
obras pesquisadas fala-se muito mais sobre o Chico Xavier na cidade de
Uberaba do que de sua terra natal. No livro, falo do Chico em Pedro
Leopoldo entre os anos de 1910 e 1959. Nada contra Uberaba, pois
aconteceram nessa cidade as melhores lembranças dessa convivência. O
livro representa também o olhar de um pedro-leopoldense sobre outro
pedro-leopoldense, recuperando informações históricas importantes e que
foram equivocadamente reproduzidas, além de destacar aspectos de sua
humanidade. Através dessa pesquisa, passei a admirá-lo ainda mais
porque dentro do contexto social em que vivemos existem outras pessoas
com as mesmas características de humanidade, mas que não conseguiram
dar tanto sentido à vida como ele conseguiu.
Algum caso curioso envolvendo o médium? Ainda me
lembro quando, em uma das minhas visitas ao Chico Xavier, me deparei
com uma situação inusitada. Ao seu lado, observei que uma senhora,
chorando copiosamente, começou a descrever um quadro doloroso. Havia
perdido toda a sua família em um acidente automobilístico. Fiquei me
perguntando como seria possível consolar uma dor tão intensa. O que ele
poderia dizer que pudesse reconfortar aquela mulher? Para minha
surpresa e de todos os demais que acompanhavam aquela comovente cena,
Chico se levanta e a abraça. Choram os dois. Depois do abraço, busquei
curioso o olhar daquela mãe e observei que a dor ainda permanecia em
seu rosto, mas ela esboçou um sorriso que eu nunca consegui compreender
até hoje. Diria que Chico Xavier sem dizer nada, disse tudo. Essa cena
se passou em meados dos anos 80 e até hoje procuro entender e vivenciar
o que vi. Para mim, Chico Xavier foi uma das poucas pessoas que melhor
conseguiu exemplificar o ensinamento evangélico "Amai-vos uns aos
outros como eu vos amei".
Por que o título "O Voo da Garça"? O poeta e
escritor pedroleopoldense José Issa Filho, transitando entre a
realidade e a ficção, nos conta no livro intitulado "Coisas do Reino de
Pedro Leopoldo 3", uma curiosa história narrada por três distintos
personagens da nossa cidade, entre os quais se destaca a habilidade
poética de Sá Tomásia, antiga benzedeira da região. Segundo ela, na
manhã do dia 2 de abril de 1910, data do nascimento de Chico Xavier,
teria acontecido na cidade de Pedro Leopoldo, na região da Fazenda
Modelo, um curioso fenômeno com as garças. Foi a manhã mais linda que
ela já viu. Estou me apropriando dessa história para dizer que uma
dessas garças pousou na cidade de Pedro Leopoldo, exatamente nesse dia,
na rua de São Sebastião, "trazendo amor e compaixão e, por isso mesmo,
transformando as noites de muitos angustiados e aflitos em dias
ensolarados de esperanças e alegrias", como bem disse o escritor José
Issa.
Toda a renda das vendas do livro será destinada ao Grupo Espírita
Scheilla de Pedro Leopoldo, instituição fundada há 56 anos a pedido de
Chico Xavier.
In: http://www.otempo.com.br/entretenimento/ultimas/?IdNoticia=6294,PAM&busca=o voo da garça&pagina=1