ALEXANDRE CAROLI ROCHA (FOTO: Alexandre Favarin, Campinas, SP)
Alexandre Caroli Rocha defendeu, em 4 de junho, tese de doutorado no Instituto de Estudos da Linguagem da Unicamp, em Campinas (SP). Trata-se dos livros que Chico Xavier atribuiu a Humberto de Campos e a Irmão X, passando também pelo famoso processo que a família do escritor moveu contra o médium mineiro e a Federação Espírita Brasileira para requerer direitos autorais. Abaixo, entrevista com o autor, que já defendeu tese de mestrado em Literatura sobre a obra "Parnaso de Além-Túmulo", o primeiro livro de Chico Xavier:
Folha Espírita: O que você pesquisou na tese de doutorado "O Caso Humberto de Campos: autoria literária e mediunidade?
Alexandre Caroli Rocha: Estudei a obra de Humberto de Campos (1886-1934) e os livros que Chico Xavier (1910-2002) atribuiu a ele e a Irmão X. O objetivo foi pesquisar o problema autoral desse conjunto de livros do médium mineiro. Na tese, entre outros temas, apresentei um histórico dessa atribuição de autoria e analisei as estratégias textuais utilizadas pelo autor dos livros psicografados para se representar como Humberto de Campos após sua morte.
FE: Um dos pontos mais recorrentes na tese foi o processo movido pela família de Humberto de Campos, reclamando direitos autorais pelas obras psicografadas por Chico Xavier e que traziam a assinatura do famoso escritor. Como se desenrolou o processo?
Rocha: Em 1944, por meio de uma ação declaratória, familiares de Humberto de Campos processaram Chico Xavier e a Federação Espírita Brasileira (FEB). Pediam que a Justiça examinasse a hipótese espírita e declarasse se o autor dos cinco livros atribuídos ao espírito de Humberto de Campos era ou não o próprio escritor maranhense após sua morte. E mais: se a conclusão fosse negativa, solicitavam as devidas punições aos responsáveis pelos livros; se positiva, requeriam direitos autorais. O juiz, porém, como era de se esperar, rejeitou a ação, considerada sem cabimento, pelos seguintes motivos: primeiro, ao morrer, o indivíduo deixa de possuir direitos civis, de modo que, morto, Humberto de Campos não poderia readquiri-los; segundo, os direitos autorais herdáveis limitam-se aos referentes às obras do escritor produzidas antes de sua morte; terceiro, uma ação declaratória deve requerer a simples declaração de existência ou inexistência de uma relação jurídica, e não a existência ou não de um fato. Em síntese, a ação foi interpretada como uma mera consulta, função que não cabe ao poder judiciário. A família do escritor recorreu da decisão, mas, no mesmo ano, a Justiça reafirmou a impropriedade da ação. No entanto, por causa do processo, o nome Humberto de Campos, em textos mediúnicos posteriores, foi substituído por Irmão X. Na tese, comento alguns dos desdobramentos desse inusitado processo.
FE: Quando Humberto de Campos começou a ditar mensagens através de Chico Xavier e a partir de qual delas passou a assinar como Irmão X?
Rocha: Os primeiros textos atribuídos a Humberto de Campos datam do final de março de 1935, isto é, menos de quatro meses após a morte do escritor. De 1937 a 1943, a FEB publicou cinco livros que Chico Xavier atribuiu a ele: Crônicas de Além-Túmulo (1937), Brasil, Coração do Mundo, Pátria do Evangelho (1938), Novas Mensagens (1940), Boa Nova (1941) e Reportagens de Além-Túmulo (1943). Dessa primeira fase, o último texto de que tenho notícia, cujo tema é o próprio caso Humberto de Campos, é de 15 de julho de 1944. Foi publicado no livro A Psicografia ante os Tribunais (p. 56 da 5ª ed.), de Miguel Timponi. O abandono do nome Humberto de Campos ocorre pouco tempo depois. A primeira menção ao nome Irmão X que localizei é de 20 de setembro de 1944 e está em Deus Conosco (p. 236-237 da 1ª ed.), livro composto por textos que Chico Xavier atribuiu a Emmanuel, editado pela Vinha de Luz Editora. No ano seguinte, em 2 de março, Chico Xavier envia uma carta ao então presidente da FEB, Antônio Wantuil de Freitas, dizendo-lhe que o amigo voltara a escrever, fazendo-se sentir agora com o nome de Irmão X. Junto à carta seguia o primeiro texto da nova fase, que era, provavelmente, Ante o Amigo Sublime da Cruz, publicado na primeira página do Reformador e, depois, no livro Lázaro Redivivo (1945).
FE: Com o surgimento do nome Irmão X, o autor espiritual deixa de se apresentar como Humberto de Campos?
Rocha: Em Lázaro Redivivo, primeiro livro de Irmão X, existem muitas referências veladas a Humberto de Campos, às psicografias que Chico Xavier lhe atribuiu e ao processo de 1944. Na época, Chico Xavier e seu editor da FEB tomaram a decisão de não divulgar a identidade de Irmão X. Segundo o médium, Emmanuel achava que os leitores perceberiam que Irmão X era Humberto de Campos. Em 1957, porém, a FEB decidiu oficializar essa identidade, em artigo publicado no Reformador. E, num texto do livro Cartas e Crônicas (1966), de Irmão X, o autor volta a se apresentar como Humberto de Campos.
FE: Os especialistas chegaram a fazer uma comparação entre as obras de Humberto de Campos, escritas quando encarnado, com as que escreveu através de Chico Xavier?
Rocha: Alguns escritores e intelectuais, especialmente em 1944, publicaram artigos a respeito de suas impressões de leitura, relacionando as duas obras. Na tese, analiso boa parte desse material. Em síntese, há duas questões envolvidas: uma é textual e outra é teórica. Uma grande parte dos comentadores achou que os textos psicografados apresentavam muitas afinidades com o que Humberto de Campos costumava escrever (fator textual). A partir desse dado, alguns arriscavam uma explicação (fator teórico) e outros diziam não saber como explicar o fenômeno. Entre as tentativas de explicação havia a kardecista (o espírito do escritor comunicou-se através do médium); a do pastiche, consciente ou inconsciente (o médium imitou Humberto de Campos); a demonista (o verdadeiro autor é o diabo); a sobrenatural (houve um milagre e o milagre não pode ser explicado). Um bom exemplo é o que se passou com Agrippino Grieco, em 1939. O crítico acompanhou uma sessão espírita na qual Chico Xavier psicografou uma carta a ele dirigida e assinada por Humberto de Campos. A respeito do texto, ele declarou que parecia mesmo ser um escrito inédito do autor de Memórias, mas não soube como explicar o fenômeno.
FE: Qual era a opinião dos familiares de Humberto de Campos?
Rocha: A viúva não acreditava que o autor dos textos fosse o espírito do escritor. A mãe dele, no entanto, estava certa de que era o filho quem escrevia através do médium. Dos três filhos de Humberto de Campos, não sei se os mais velhos se pronunciaram a respeito. O outro, como a avó, tinha a convicção de que seu pai era o autor dos textos psicografados. Em 1997, Humberto de Campos Filho publicou o livro Irmão X, Meu Pai.
FE: Dizem que Humberto de Campos, quando encarnado, não acreditava em vida depois da morte e criticava as obras que Chico Xavier já psicografara. Isso é verdade?
Rocha: Em termos. Segundo suas Memórias, ele, que recebera educação católica, perdeu a fé durante a mocidade, pelo contato com certa filosofia materialista. Ele se dizia cético, mas sempre teve grande respeito pelas religiões e pelo sentimento religioso das pessoas. Em uma crônica, escreveu: "Por educação e por princípio, não tiro Deus ao coração de ninguém. Porque tenho o meu vazio, não me considero modelo de prudência e sabedoria. Sem um templo em que me prosterne, não me sinto no direito de incendiar os altares dos que têm fé". Em 1932, ele escreveu duas crônicas a respeito do primeiro livro de Chico Xavier, Parnaso de Além-Túmulo, que foram publicadas na primeira página do Diário Carioca. Sua apreciação foi curiosa: destacou a adequação poética dos versos mediúnicos e ironizou a representação espírita do além-túmulo, por ele inferida. Ele escreveu: "O Parnaso de Além-Túmulo merece, como se vê, a atenção dos estudiosos, que poderão dizer o que há, nele, de sobrenatural ou de mistificação. No primeiro caso, o outro mundo deve ser insuportável, com os poetas que lá se acham. E pior será, ainda, se houver, também, por lá, declamadoras... O escritor imaginou que, se a autoria fosse mesmo dos poetas mortos, a literatura no outro mundo seria parada no tempo, sem novidades. Essas crônicas foram comentadas em texto de Chico Xavier atribuído a Eça de Queirós, publicado no Reformador em 1933, e, mais tarde, em textos atribuídos ao próprio Humberto de Campos, a exemplo do seguinte trecho, dirigido ao médium: "Apreciando, em 1932, o Parnaso de Além-Túmulo, que os poetas desencarnados mandaram ao mundo por intermédio de você, chamei a atenção dos estudiosos para a incógnita que o seu caso apresentava. Os estudiosos, certamente, não apareceram. Deixando, porém, o meu corpo minado por uma hipertrofia renitente, lembrei-me do acontecimento. Julgara eu que os bardos do outro mundo, com a sua originalidade estilística, se comprometiam pela eternidade da produção, no falso pressuposto de que se pudessem identificar por outra forma".
FE: É fato que, para se fazer reconhecido, Humberto de Campos mesclou os ditados mediúnicos com lances da obra literária que produziu no mundo?
Rocha: Alguns textos desse conjunto autoral, além da primeira camada de leitura, acessível a qualquer leitor, apresentam um notável diálogo com referências relacionadas a Humberto de Campos. Com isso, o autor teve o propósito de demonstrar que possui um grande conhecimento do escritor maranhense. Só consegui detectar esse procedimento após estudar a extensa obra de Humberto de Campos. Em dois capítulos da tese, apresento vários exemplos dessa intertextualidade. Ainda nesse sentido, outro ponto importante dos textos psicografados são as centenas de citações de muitos autores, brasileiros e estrangeiros, que faziam parte do repertório de leituras do escritor maranhense.
FE: Como ter acesso à tese?
Rocha: Na Internet, ela já está disponível na Biblioteca Digital da Unicamp, no endereço http://libdigi.unicamp.br/document/?code=vtls000443434
Enviado por Geraldo Lemos Neto | Vinha de Luz Editora | Ismael Gobbo | Folha Espírita | Novembro de 2008
19/01/2011
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