Wagner de Assis
UMA FORTE MENSAGEM ESPIRITUAL
Direto do Rio de Janeiro, o diretor Wagner de Assis, de Nosso Lar,
concedeu entrevista exclusiva para a equipe da 2001 Vídeo, e falou
sobre filmes espíritas, efeitos especiais, orçamentos e Philip Glass,
entre outros assuntos.
Como foi encarar o desafio de adaptar para o cinema um livro tão lido quanto Nosso Lar?
Como uma grande responsabilidade, reconhecendo e entendendo o quão
importante seria esse trabalho, tentando fazer jus no cinema ao sucesso
na literatura, e tentando fazer um filme que atendesse à grande
diversidade do público que vai ao cinema, ou das pessoas que gostam de
ver histórias legais. E que também atendesse às regrinhas de cinema:
que não deixasse de emocionar e de ser interessante, de provocar
pensamentos.
Quais foram as maiores dificuldades encontradas pela produção?
Posso dizer que todos os dias nós tínhamos dificuldades novas, umas
maiores que as outras. Navegamos em um universo em que tínhamos quase
nenhum conhecimento técnico, que é o mundo dos efeitos visuais.
Tínhamos uma equipe grande dos EUA e do Canadá que acompanhou as
filmagens justamente para nos ajudar a resolver as questões técnicas
que apareceram. O tempo todo estávamos lidando com uma cidade que não
existe, só existia dentro do computador; o tempo todo estávamos lidando
com cenários que estavam incompletos e que seriam acrescidos
digitalmente; o tempo todo os atores estavam lidando com o pano azul do
chroma key. Tudo era um grande desafio, uma grande aventura de
desafios.
Nosso Lar tem uma forte mensagem espírita em seu enredo. Você
acredita que seguidores de outras religiões possam assimilar e
compreender essa mensagem?
Na verdade, trabalhamos com o conceito de que o filme tem uma
mensagem universal. Essa mensagem tem ressonância na temática espírita,
fala sobre ação e reação, lei de causa e efeito; fala sobre saudade e
sobre a possibilidade de vida após a morte; fala sobre uma idéia de
como seria a vida após a morte; fala sobre quanto uma atitude positiva
pode gerar coisas positivas no futuro. Isso tem ressonância muito
grande na doutrina espírita, mas eu fiquei muito feliz de ver que os
judeus, os católicos, os evangélicos, os mórmons, os hindus, os
budistas e mesmo os ateus, os agnósticos, muitas pessoas que trabalham
e vivenciam outras religiões, entenderam esse aspecto universal da
mensagem. A ideia da vida após a morte ficou muito marcada na doutrina
espírita, mas todas as religiões falam alguma coisa da existência após
a morte do corpo físico. Todas. Então, eu diria que o filme tem uma
respiração espiritualista, uma ressonância muito grande na doutrina
espírita, mas que ele é universal. Os temas dizem respeito a toda a
condição humana.
Depois do sucesso do seu filme e de Chico Xavier, de Daniel Filho,
você acredita que há um novo gênero no cinema nacional, o filme
espírita?
Acho que não. Acredito que um dia possa existir um gênero chamado
espírita. Talvez esses dois filmes tenham ressonância na temática
espírita; o Nosso Lar muito mais, pois vem de um livro que faz parte do
movimento espírita. Mas Chico Xavier é uma cinebiografia e o meu filme
é um drama. Enquanto gêneros cinematográficos, eles são muito bem
definidos.
Você acha que você possa ter fomentado o surgimento de um novo gênero?
Eu adoraria saber como seria esse gênero. Posso dizer que sim, mas
eu estaria só supondo. Como seria esse novo gênero? Quais seriam as
bases dramáticas desse gênero? Eu não teria nada contra. Se ele
existir, eu trabalharia feliz da vida, e de repente tentaria contar
histórias através desse gênero. Mas eu não saberia dizer como seria
esse gênero de filme espírita. É igual as pessoas falarem de favela
movie, porque se passa em um lugar pobre. Mas, no fundo, são dramas,
aventuras. É uma forma de minimizar e de não abordar de maneira mais
correta o gênero cinematográfico.
Para os padrões da nossa indústria, o orçamento [aproximadamente R$
20 milhões] de Nosso Lar foi alto. Como foi lidar com esse orçamento?
Gastando cada centavo nos efeitos visuais, nos cenários grandiosos.
Na verdade, não planejamos fazer o filme mais caro do cinema nacional.
Fomos descobrindo que era necessário mais dinheiro porque fazer efeito
visual é caro. Por mais que seja viável hoje em dia, ainda é caro. O
limite do efeito visual e da imaginação no efeito visual é o dinheiro.
Esse filme poderia certamente custar três vezes mais, facilmente.
Então, as escolhas que fizemos foram em função de orçamento, sim.
Podemos dizer que é um orçamento pequeno para um padrão de filme de
efeitos visuais que estamos apresentando.
Um dos fortes apelos do filme é o seu elenco. Como se deu o processo de seleção e preparação?
Foi bem tranqüilo. Fizemos testes para alguns personagens. A Renata
Pietro foi depois de um tempo percebendo, fazendo testes de maquiagem,
a possibilidade de apostar em um homem que trabalhava há mais de cinco
anos no teatro em peças de mesmo gênero. Enfim, nenhum critério
predefinido para escolher o ator. Era sempre aquele momento mágico de
você ver o ator e ver que ele pode fazer o personagem. É um momento
muito difícil, devo confessar; é um momento em que você erra muito no
cinema e no qual esperamos muito ter acertado.
Como foi trabalhar com a
Intelligent Creatures [empresa canadense responsável pelos efeitos
especiais de Watchmen – O Filme e A Loja Mágica de Brinquedos, entre
outros filmes]?
Eles têm experiência em filmes de estúdio hollywoodianos, mas ao
mesmo tempo têm experiência em filmes de arte e independentes, ou seja,
os profissionais de lá sabem lidar com as carências do produtor
independente e o ajudam a resolver problemas de computação gráfica. Nós
tivemos um supervisor de efeitos visuais no set. Logo depois das
filmagens, transferimos tudo para o Canadá, onde, ao longo de nove
meses, foram feitas mais de 300 imagens com algum tipo de inserção
visual.
Outro nome estrangeiro que chama a atenção é o de Philip Glass
[músico minimalista, compositor da trilha da trilogia Qatsi, entre
outros filmes]. Como surgiu essa idéia? E como a produção chegou até
ele?
Achei que era o compositor ideal para fazer uma música que tinha
toda essa inspiração do tema espiritualista. Falei isso para Iafa Britz
[produtora do filme] e aí ela disse “não custa nada tentar”. O Philip
já esteve no Brasil, trabalhou com a Monique Gardenberg; ele tinha
feito uma música para o filme Jenipapo [de 1995, inédito em DVD]. Ela
conseguiu um contato e falou inicialmente sobre o que era, mandou um
roteiro para ele. Ele gostou. Então, a gente foi lá e os procedimentos
começaram. Ele tinha um tempo na agenda, absolutamente tomada, e foi
maravilhoso. Nós gravamos pela primeira vez com a Orquestra Sinfônica
Brasileira. Fizemos uma trilha que ficou tão bonita que hoje foi virou
um CD e foi vendida à beça pela Biscoito Fino.
Como você analisa este ano em que três filmes brasileiros chegaram, até o momento, entre as dez maiores bilheterias?
É um ano feliz, que tem dois filmes muito fortes, um sobre o homem
e outro sobre sua obra mais importante, Chico Xavier e Nosso Lar, e que
tem um fenômeno, Tropa de Elite 2. É um ano que unifica de uma vez por
todas o cinema brasileiro do passado e do presente. Deveria ser um ano
em que o termo Retomada acabaria, e a gente teria um cinema só, sem
precisar mais fazer comparações com o passado, ou seja, o cinema é um
só e os filmes brasileiros entram cada vez mais na pauta cultural do
povo brasileiro. Isso é bacana, é muito feliz; é o resultado de muito
trabalho de muita gente competente que está no mercado há muitos anos.
Fonte: 2001 Vídeo